Na semana em que aconteceu esta escrita, foi apresentado o livro de Raul Manarte com o título “O Altruísmo não existe”.
Raul Manarte é psicólogo de formação, doutorando, músico formado na Escola de Jazz do Porto e ativista e psicólogo especializado em intervenções de crise e catástrofe. Conta com missões no Campo de Refugiados de Moria, Guiné-Bissau, Índia, Moçambique, Bolívia, Brasil, Ucrânia e Sudão de Sul. Reflete ainda todas estas vivências, de forma intensa, na lente da sua máquina fotográfica.
E isto tudo cabe em apenas 41 anos.
Eu já tinha ouvido falar de Raul Manarte em outras andanças, e tinha boas expectativas quando acedi a ir assistir à apresentação do livro. Só não adivinhava o quão desconcertante ia ser.
Entre outras coisas, contou que a maior parte das pessoas o felicitava pelas suas ações e pelo seu inexistente altruísmo, espantadas pelas tristes vivências que partilhava. Estranhamente, só uma ínfima parte lhe perguntava o que é que cada um deles poderia contribuir para modificar o que relatava. Assumiu como um objetivo seu inverter esta realidade, ou seja, fazer com que as pessoas se envolvam mais na resolução dos problemas que estão lá longe, bem longe da vista. E os problemas longe da vista são como se não existissem.
Falou também da tarte.
O argumentário intolerante, xenófobo e racista compara o nosso país a uma tarte. Se aumentar o número de elementos que quer comer a tarte, leia-se os imigrantes, então restará menos para cada um de nós. Absurdamente, brandem desta forma os seus argumentos.
Raul Manarte desconstruiu este pensamento de forma muito simples. Os imigrantes não vêm comer a nossa parte da tarte. Eles vêm acrescentar à tarte para que cada um de nós consiga comer mais um pouco. Se o argumento for não aumentar o número de elementos que comem a tarte, então não deixemos nascer crianças ou, em caso extremo (digo eu), deem injeções atrás da orelha aos velhinhos!
No imobiliário, está a nascer uma xenofobia preocupante contra quem procura o nosso país para viver ou para investir.
Uma mentira dita muitas vezes, parece tornar-se uma verdade insofismável. Os problemas habitacionais do nosso país estão a ser erradamente atribuídos a quem nos visita (alojamento local), a quem compra casa para segunda habitação ou para viver (estrangeiros), ou para quem quer investir em imobiliário (vistos gold).
Os factos são estes:
-De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, em 2022 foram transacionados 167.900 alojamentos familiares. Destes, 93.6% foram adquiridos por cidadãos nacionais, 3.5% por cidadãos da União Europeia e 2.9% de cidadãos dos restantes países, onde se incluem os países da CPLP.
São os portugueses que compram as casas. O problema é que a riqueza está mal distribuída, o fosso entre pobres e ricos é cada vez maior e a classe média definha.
-De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 2022 foram concedidas 1.281 autorizações de residência ao abrigo dos “vistos gold” e destas 1.008 foram para investimento em aquisições de bens imóveis, correspondendo um valor unitário de investimento de 530.384€. Quem está no mercado sabe que este investimento não foi para a aquisição de habitação, mas maioritariamente para investimento em turismo e hotelaria. E que nos centros de Lisboa e Porto uma habitação nova custa bem mais que este valor.
Apesar de ter uma opinião política divergente, sei bem que quem nos governa não pactua com situações xenófobas. No entanto, inconsistentemente, está a alimentar o populismo, o que cada vez mais me preocupa. Temo que chegue o dia em que portugueses comecem a olhar para o lado, a ouvir ou a ver alguém com sotaque ou cor da pele diferente, e a culpar quem não tem culpa pela crise na habitação.
E que deixemos de ser um belo país à beira-mar plantado, em que as pessoas se sintam em segurança.