“O programa mais habitação e o investimento internacional em Portugal” – Tomás Assis Teixeira, Sócio da Área Imobiliário da CCA Law Firm

Tomás Assis Teixeira, Sócio da Área Imobiliário da CCA Law Firm

O objetivo do Governo com o programa mais habitação é nobre e inatacável. É um facto que existe um crónico problema de habitação em Portugal, é inegável que tanto o estado como os privados devem contribuir ativamente para que os portugueses e imigrantes, jovens e menos jovens tenham capacidade e possibilidade de ter uma casa, consagrando um direito constitucionalmente garantido: o direito à habitação.

Sendo a causa nobre, o caminho trilhado não poderia ter sido mais sinuoso (resta saber onde e como vai acabar). O que resulta do confuso processo conduzido pelo Governo com o seu programa mais habitação cada vez mais se afigura como uma oportunidade perdida e uma proposta de lei que, tendo o objetivo de dar mais aos portugueses, (previsivelmente) apenas conseguirá dar menos a todos: a quem quer casa, a quem tem casa e a quer arrendar, aos investidores e promotores imobiliários (nacionais e internacionais), aos pequenos e grandes investidores no alojamento local, prejudicando fortemente o posicionamento internacional pelo qual Portugal tanto lutou na última década.

Como corolário de todo este processo autodestrutivo da imagem do país perante os investidores internacionais, foi ainda enxertada no pacote mais habitação uma das mais badaladas medidas anunciadas pelo Governo no âmbito do programa – o final imediato e com efeitos retroativos do programa dos vistos gold. Não se pretende aqui discutir ou analisar a justeza ou oportunidade da decisão do governo em terminar com este programa, sendo certo que terminar com um programa de atração de investimento externo que em 11 anos teve um impacto para Portugal em termos de investimento muito semelhante ao do PRR sempre seria uma medida cujos impactos deveriam ser devidamente estudados (o que parece não ter sido o caso, já que nunca foram tornadas públicas quaisquer conclusões por parte do grupo de trabalho criado pelo Governo para avaliar o fim do regime dos vistos gold).

O ponto central da discussão é a forma desastrada como o Governo apresentou a medida (fazendo tábua rasa do princípio constitucional da tutela da confiança) e os impactos da mesma para Portugal enquanto país. Senão vejamos: no power point apresentado no passado dia 30 de Março, o Governo apresenta 3 cenários distintos para o final do programa aplicáveis a todos os investidores em vistos gold dependendo da fase do processo em que se encontrem, a saber: (i) não poderão ser atribuídos novos vistosa contar da data de 16 de fevereiro de 2023”; (ii) No caso dos vistos gold solicitados e ainda não atribuídos, salvaguarda-se que os que estiverem pendentes do SEF ou pendentes de procedimentos de controlo prévio nos municípios, são oficiosamente tramitados no regime de autorização de residência para imigrantes empreendedores; e (iii) No caso de renovação dos já atribuídos, a cada dois anos, a mesma fica salvaguardada pela reconversão da autorização de residência em autorização para imigrantes empreendedores e desde que cumpridos os respetivos requisitos, devidamente aferidos pelas entidades competentes para a verificação do projeto empreendedor em curso. As três alternativas apresentadas aos investidores, para além da sua previsível inconstitucionalidade (já amplamente analisada e confirmada por vários pareceres preparados pelos mais reputados constitucionalistas portugueses), são de aplicabilidade praticamente impossível. Em relação aos novos vistos (imaginemos o caso de um investidor que concluiu o seu investimento no dia 16 de fevereiro e apresentou o seu pedido de concessão no dia 17 de fevereiro) o que sustenta o projeto de lei e o power point é que este investidor já não pode apresentar o seu visto (não obstante ter já concluído o seu investimento e cumprido com todas as suas obrigações legais), ou seja, pretende o Governo atribuir força retroativa a um projeto de lei não aprovado pela Assembleia da República e a um power point. Parece-nos evidente que o Governo não ignorará, porque não pode ignorar, que a aplicação retroativa da lei, nestes termos, é manifestamente inconstitucional. O objetivo será travar a apresentação de novos vistos até que a lei seja publicada e entre em vigor. O que é difícil entender é qual será o racional por de trás deste objetivo. Será que Portugal não precisa deste investimento? Será que podemos tratar desta forma investidores internacionais que confiaram em Portugal e nas leis do país? E o que dizer aos promotores e aos fundos de investimento que investiram em projetos e que tinham como principal fonte de receita os investidores em vistos gold? O que acontecerá a todos estes projetos? Em relação aos vistos solicitados e ainda não atribuídos – note-se que existem largas centenas ou milhares de processos à espera de tramitação por parte do SEF desde 2020/2021 – e aos já solicitados e atribuídos diz o power point que quem investiu num programa que foi amplamente promovido e divulgado pelo governo português, que se encontra válido e em vigor (ao dia de hoje o SEF continua a aceitar e a tramitar novos processos de vistos gold, incluindo o pagamento das respetivas taxas cobradas para análise dos mesmos) não poderá obter ou renovar o seu respetivo processo uma vez que os investidores ficam obrigados a mudar a sua autorização de residência para a autorização para emigrantes empreendedores, cujos critérios de atribuição e de renovação e elegibilidade são totalmente distintos dos termos de renovação dos vistos gold. É lógico que esta é uma não solução. No meio de tudo isto, sobram os investidores, entregues a si próprios e com o seu projeto de vida posto em cheque.

É importante referir que a esmagadora maioria das medidas apresentadas, os avanços e recuos do Governo, os power points vagos e confusos, as propostas de lei apresentadas a uma sexta-feira (com menos de uma semana para o fim do prazo da consulta pública – entretanto alargado), o congelamento das rendas, o ataque ao alojamento local, o arrendamento forçado, apenas terão efeitos nefastos para Portugal. Um país sem segurança jurídica é um país que não transmite confiança aos investidores. A quebra de confiança de um modo generalizado significará a fuga de investimento em Portugal e a aposta noutros países, em quem se possa confiar. Menos investimento significará menos construção e menos fogos disponíveis para quem deles precisa, defraudando totalmente o objetivo do programa mais habitação. Esperemos que no novo projeto de lei (ainda por apresentar) o Governo tenha o cuidado de salvaguardar as legítimas expectativas de todas as partes envolvidas. O dano está feito, mas poderá ser significativamente minorado com uma lei justa e equilibrada. Esperemos que assim aconteça.