Rendimento e endividamento no crédito à habitação

Nos últimos anos, tem-se observado um grande aumento dos preços da habitação nos países da OCDE, que não foi acompanhado por um aumento proporcional ao do rendimento das famílias.

O custo da habitação sempre foi responsável por uma grande fatia dos rendimentos disponíveis das famílias e, nos últimos anos a taxa de esforço tem vindo a aumentar. A oferta de habitação a preços acessíveis não tem acompanhado a procura e tem-se observado um maior endividamento por parte das famílias portuguesas.

Segundo dados do Banco de Portugal, verifica-se que a partir de 2015, o montante total emprestado tem vindo a aumentar substancialmente, igualando os níveis de 2009. Comparando o mês de janeiro de 2015 com novembro de 2021, o aumento do montante emprestado foi de 496%. Apesar de termos os valores mais altos dos últimos 13 anos, no mês de outubro de 2007, o montante emprestado atingiu 1.875 milhões de euros (+ 38,6% que em novembro de 2021), um valor record até aos dias de hoje.

O valor médio em divida (Novos Contratos dos últimos 3 meses) tem crescido ao longo dos últimos oito anos, sendo que no mês de abril de 2013, foi de 64.732€ enquanto que em novembro de 2021 o capital médio em divida dos últimos 3 meses atingiu os 118.693€. Se compararmos a prestação média dos novos contratos (referentes aos últimos 3 meses), verifica-se que em abril de 2013 o valor foi de 276 euros, enquanto que em novembro de 2021 a prestação foi de 315 euros. Tendo em consideração o montante médio de capital em dívida, para ambos os períodos, verificamos que a prestação pouco alterou. A componente dos juros explica esta baixa variação, tendo um registo de de 171 euros em abril de 2013 e de 69 euros em novembro de 2021.

O saldo médio em dívida em Portugal é de 58.207€ (Nov/2021), correspondendo a uma prestação média de 239 euros, com um total de 44 euros em juros.

Pode-se verificar que apesar do montante total em dívida ter aumentado significativamente (especialmente se considerarmos a evolução dos novos contratos), o valor da prestação média de todo o capital em dívida pouco alterou, devendo-se ao facto das taxas de juro terem atingido mínimos históricos nestes últimos anos.

De acordo com o Banco de Portugal, o prazo médio dos contratos de crédito à habitação celebrados em 2020 em Portugal foi de 33,1 anos, um prazo superior ao dos contratos celebrados em 2019 (32,8 anos), o que contrasta com países vizinhos como França, Itália, Espanha, que têm uma maturidade entre os 20 e 22 anos. Relativamente à distribuição dos prazos de contratação em 2020, 18,8% estavam entre os 25 e 30 anos, 15,8% entre 30 e 35 anos e 46,7% entre os 35 e 40 anos. Para ir ao encontro da média europeia de 20 a 25 anos, o Banco de Portugal tem como medida macroprudencial, a recomendação de baixar o prazo máximo dos novos empréstimos para os 30 anos até ao final de 2022.

Neste momento, cerca de 35% dos consumidores de crédito à habitação, ainda paga prestações depois dos 70 anos e cerca de 62% depois dos 65 anos.

Rácios de Rendimento e Endividamento

Portugal é o pais da OCDE com maior rácio de endividamento em habitação face aos seus rendimentos brutos, aplicando-se tanto à população com menor rendimento, bem como à população com maiores rendimentos.

Em média, os agregados familiares em Portugal têm 2,64 vezes o seu salário bruto anual em dívida. Para agregados familiares com rendimentos inferiores esse rácio é 6,76 e, para os agregados familiares com rendimentos superiores o rácio é de 4,82 os seus rendimentos brutos anuais, sendo que estes rácios de endividamento são também os mais altos da OCDE.

Em Espanha o rácio de endividamento médio é de 2,24, seguido de Luxemburgo e França com rácios 2,1 e 2,0, respetivamente. Abaixo da média da OCDE (1,58) estão países como Alemanha (1,26), Bélgica (1,22) e o menor rácio é da Letónia (1,02).

Nos Estados Unidos, de forma a controlar a inflação (7% em 2021, o maior aumento desde 1982), o Federal Reserve anunciou que será acelerado o fim do programa de compra de títulos implementado no início da pandemia e prevêem um aumento da taxa de juro em 0,75 pontos percentuais em 2022. Na Europa, a inflação atingiu 5% em dezembro (a mais alta desde 1997), segundo Klaas Knot (membro do conselho do BCE) é possível que as taxas de juro aumentem no início de 2023.

As incertezas relativamente ao impacto que a pandemia pode ter na economia, bem como o facto das taxas de juro estarem em mínimos históricos, verificaram-se na contratação do tipo de empréstimo escolhido em Portugal. A importância de ter uma taxa fixa ou mista aumentou.

Verificou-se assim, uma diminuição da proporção da taxa variável representando 82,3% dos contratos celebrados em 2020 (+4,1 p.p. em 2019), e um aumento da taxa mista representando 12% (-1,7p.p em 2019) e da fixa 5,7% (-2,4 p.p. em 2019).  O prazo de fixação da taxa fixa nos contratos de taxa mista também aumentou para 12,7 anos (+ 3 anos e 4 meses que 2019).

O bem-estar financeiro das famílias é importante para a resiliência do sistema financeiro. Quanto maior o nível de endividamento e/ou menor o nível de patrimônio líquido, maior o risco de incumprimento nas obrigações de crédito. Este risco é mais acentuado quando o atual regime de taxas de juro é um regime de taxa variável e/ou quando os níveis de endividamento das famílias são elevados, a escolha do tipo de condições referentes a um crédito à habitação deve ser tomada de forma prudente e consciente.

Rodrigo Macedo, Junior Analyst na Aura REE Portugal