Preços das habitações aumentam 38% entre 2019 e 2022

Em 15 das 18 capitais de distrito, a taxa de esforço é inferior a 40%.

A segunda edição do estudo sobre a capacidade de acesso das famílias à habitação, apresentado pela Century 21, tem como base os rendimentos médios dos portugueses, e apresenta uma análise comparada entre os valores de arrendamento e de aquisição, para acesso a uma casa de 90 m2, bem como as respetivas taxas de esforço, seguindo de acordo com os critérios de referência de 33% de DSTI – Limites ao rácio entre o montante total das prestações mensais associadas a todos os empréstimos detidos pelo mutuário e o seu rendimento mensal líquido de impostos e contribuições obrigatórias à Segurança Social (em inglês Debt Service-to-Income Ratio), recomendada pelo Banco de Portugal.

O estudo “Acessibilidade à Habitação em Portugal”, destaca uma deterioração no que toca ao acesso à habitação, entre 2019 e 2022. Isto deve-se à perda de poder de compra da população, com os preços das habitações a alcançarem uma subida média de 38% a nível nacional, enquanto que o aumento do rendimento disponível das famílias, no mesmo período, se fixou apenas em 9%, na média das capitais de distrito.

Nas capitais de distrito, o rendimento líquido disponível das famílias, varia entre os 1973 euros em Lisboa e 1426 euros em Viana do Castelo, enquanto que a média das capitais de distrito se situa nos 1545 euros. Não obstante, o rendimento médio disponível, isto é, rendimento bruto deduzido de impostos, dos agregados familiares nacionais, é bastante inferior quando comparado a outros países da União Europeia, nomeadamente Espanha, em consequência da alta carga fiscal aplicada aos rendimentos dos portugueses.

Face a 2019, a evolução dos rendimentos das famílias foi positiva, ao observar crescimentos entre 6% a 11%, em todas as cidades e com um ritmo semelhante. Em termos absolutos, os aumentos representam subidas entre os 76 euros mensais e os cerca de 160 euros observados em Braga e Coimbra. Já Faro e a região do Algarve registam os aumentos mais contidos, da capacidade financeira das famílias, para além de estarem entre os concelhos com menores rendimentos.

No que diz respeito aos maiores desafios no acesso à habitação, os resultados do estudo apontam as zonas críticas, nas quais se registam taxas de esforço acima das recomendadas pelo Banco de Portugal e Eurostat. A instituição europeia define que uma alocação igual ou superior a 40% do rendimento familiar, para acesso à habitação, configura uma situação de sobre esforço, enquanto que o Banco de Portugal recomenda, idealmente, 33% de DSTI, definindo um limite de 50% do rendimento líquido disponível para atribuição de crédito à habitação.

Em Lisboa, um empréstimo para a aquisição de habitação exige uma taxa de esforço de 67%, e no Porto de 50%. Com uma taxa de esforço ligeiramente mais baixa, segue-se Faro, que atinge os 39%. Com a exceção das capitais e concelhos da Área Metropolitana de Lisboa e Porto, e Algarve, as restantes capitais de distrito registam uma taxa de esforço de 30% ou inferior, com grande parte das cidades a situar o esforço para aquisição no patamar dos 20%, com os 13% da Guarda a fixar a menor taxa de esforço em Portugal. Face a estes dados, o estudo conclui que a taxa de esforço em 15 das 18 capitais de distrito é inferior à recomendada.

No que toca à evolução da taxa de esforço para comprar 90 m2, nos últimos três anos, a taxa associada à aquisição de habitação agravou-se em todas as capitais de distrito, mas só em Faro e no Porto é que esse aumento se traduziu na perda de acessibilidade à habitação, através de aquisição. Em Lisboa, a taxa também aumentou, mas era já um mercado considerado inacessível face ao rendimento médio das famílias.

Na média das regiões metropolitanas, esta já havia sido uma tendência mais marcante no Porto do que em Lisboa, que anteriormente já estava próxima da taxa de esforço limite. No entanto, mesmo nas cidades onde a aquisição continuou a exigir uma taxa de esforço abaixou do recomendado, observou-se um aumento. Em 2019, eram 15 as capitais de distrito onde adquirir uma habitação de 90 m2 consumia 20% ou menos do orçamento, sendo que, atualmente, só seis estão esse patamar.

No que diz respeito ao valor para aquisição de uma habitação de 90 m2, nas capitais de distrito, o valor de um apartamento de 90 m2 varia entre os 375 480 euros em Lisboa, e 59 040 euros na Guarda, enquanto que a média nacional é de 152 159 euros. Em Lisboa e Porto, as capitais das regiões com maior densidade populacional, os imóveis com preços médios de 375 000 euros e 250 000 euros, respetivamente, deixam a grande distância qualquer outra cidade. No entanto, a região do Algarve apresenta também alguns concelhos com valores superiores a 200 000 euros.

Entre as restantes capitais de distrito, no núcleo das cidades costeiras, universitárias ou mais turísticas, os valores flutuam entre os 115 000 euros e os 160 000 euros, e o eixo do interior com preços nitidamente mais baixos, revelam a possibilidade de aquisição de 90 m2 com valor inferior a 100 000 euros.

No decorrer dos últimos três anos, os preços das habitações registaram evoluções significativas, há exceção das três cidades mais baratas, nomeadamente Guarda, Portalegre e Bragança, onde a diferença para aceder a 90 m2, no período em análise, não totalizou 10 000 euros. Em termos relativos, a par da Invicta, outras cidades como Aveiro, Braga e Setúbal, registaram um maior aumento de preços, no espaço de três anos. Em termos absolutos, adquirir atualmente 90 m2 exige, pelo menos, mais de 25 000 euros do que há três anos, na grande maioria das cidades.

De acordo com os principais indicadores do valor dos imóveis, as prestações do crédito à habitação, para a aquisição de uma habitação de 90 m2, apresentam um forte contraste em Lisboa e no Porto, e nas respetivas áreas metropolitanas, face às restantes cidades do país. Lisboa é a única cidade onde a aquisição de uma habitação de 90 m2, com recurso a um financiamento, soma atualmente um encargo superior a 1 300 euros por mês, seguida pelo Porto, com cerca de 900 euros mensais. Nas outras cidades, esse encargo não atinge os 600 euros, sendo na sua maioria inferior a 400 euros por mês.

No que diz respeito ao impacto do aumento das taxas de juro na prestação mensal, este será elevado no valor mensal que as famílias assumem para a aquisição de uma habitação de 90 m2, conforme as projeções realizadas a partir de três cenários, em que acrescem um, dois ou três pontos percentuais, à TAN da prestação contratada inicialmente. Na situação de maior aumento, o qual significaria, na prática, possuir uma TAN no patamar dos 5% a prestação vai registar uma subida de mais de 150 euros mensais na maioria das cidades, atingindo valores superior a 200 euros em algumas delas, sendo que todos os concelhos da Área Metropolitana de Lisboa e do Porto ficariam em sobre esforço, incluindo Aveiro e Évora.

Face aos valores atuais, apenas em Lisboa, Porto e Faro, bem como as suas Áreas Metropolitanas, cumprir um orçamento corresponde a 33% do rendimento das famílias, o que implicaria adquirir uma habitação menor do que a habitação padrão de 90 m2. Já nas cidades universitárias e mais turísticas, como Aveiro, Évora, Coimbra e Setúbal, observa-se uma adequação do orçamento à habitação padrão, enquanto que nas restantes capitais de distrito, a alocação de 33% do rendimento à aquisição de habitação, possibilita o acesso a imóveis maiores, todos com áreas superiores a 100 m2, numa máximo de 200 m2 registados na Guarda.

No que toca ao mercado de arrendamento, o estudo conclui que, em Lisboa, arrendar uma habitação de 90 m2 tem um custo triplo do que se paga, por exemplo, em Beja, sendo esta a cidade com valores de arrendamento mais baixos do país. A capital apresenta um valor médio de 1161 euros, sendo que não fica muito distante da média de 1017 euros cobrados na Área Metropolitana. Já as cidades do interior, continuam a ser as mais acessíveis, mantendo a tendência observada desde 2018.

Entre 2019 e 2022, a evolução das rendas observou uma tendência geral de crescimento, com exceção de três capitais de distrito do interior, nomeadamente Bragança, Castelo Branco e Beja, onde a renda para uma habitação de 90 m2 é atualmente menor, e de Lisboa, onde o valor é semelhante ao registado em 2019. Já nas restantes cidades, as rendas são superiores ao registado há três anos, sendo que na maioria o aumento é de 80 euros a 120 euros mensais.

Ainda no tema da taxa de esforço, o estudo conclui que a mesma taxa, para arrendar, supera os 53% nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Em nove cidades a taxa de esforço aumentou, e em outras cinco estão a aproximar-se do limite, o que justifica a conclusão de que as rendas subiram na generalidade das cidades.

Em nove capitais de distrito, o rendimento das famílias não permite arrendar uma habitação de 90 m2, o que significa que têm de optar por um imóvel mais pequeno. No limite estão os 50 m2 observados em Lisboa, sendo uma tendência também visível na média das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Não só no Porto, mas outras cidades como Braga, Aveiro, Coimbra, Setúbal e Faro, obter um arrendamento adequado ao rendimento significa ter acesso a habitações com menos de 90 m2. No entanto, o rendimento permite arrendar áreas iguais ou superior a 90 m2 nas cidades do interior, com um máximo de 130 m2 em Beja.

Ao analisar a evolução das áreas entre 2019 e 2022, na grande parte das cidades (onze), as habitações que se podem arrendar atualmente, cumprindo o orçamento aconselhado, são agora mais pequenas do que em 2019, lideradas por Aveiro, onde os atuais 65 m2 representam uma perda de 25 m2 quando comparado aos 90 m2, em que o rendimento de 2019 permitia aceder. No entanto, esta não é uma tendência transversal, uma vez que em cinco cidades, incluindo Lisboa, é possível aceder, atualmente, a habitações maiores na solução de arrendamento. Em duas cidades, este indicador esteve estável em três anos.

Em relação ao encargo mensal, apenas em Lisboa, adquirir 90 m2 envolve um encargo fiscal superior (14%) do que arrendar uma habitação com a mesma área. No entanto, na Invicta, a vantagem da aquisição é bastante reduzida (-6,5%). Nas restantes cidades, a aquisição envolve uma mensalidade inferior à renda, e na maioria das cidades, a diferença alcança -20%. As cidades onde a aquisição apresenta vantagem mais robusta sobre o arrendamento, com uma prestação de cerca de 50% abaixo da renda, são Portalegre e Bragança.

Apesar de a aquisição continuar a ser a opção mais vantajosa, excluindo Lisboa, regista-se uma perda de competitividade desta opção, quando comparada ao arrendamento em todas as cidades. Excluindo Lisboa, Porto e Faro, em 2019, a mensalidade da aquisição situava-se em 40% a 60% abaixo de uma renda em todas as cidades, no entanto, em 2022, essa diferença diminuiu significativamente. Na maioria dos casos, a mensalidade da aquisição é atualmente -20% a -30% da renda. Em Lisboa, Porto e Faro, a aquisição era mais vantajosa em 2019.

No que diz respeito à origem do desequilíbrio no acesso à habitação em Portugal, o agravamento da acessibilidade é o reflexo da inadequação da oferta existente de imóveis, ajustados ao nível de rendimento das famílias portuguesas. Tendo em conta os diferentes escalões de rendimento, verifica-se que 11% das famílias nacionais auferem um rendimento anual inferior a 5 000 euros o que significa que apenas possuem condições de acesso à habitação social.

Do total dos agregados familiares portugueses, 60% faz parte da classe média, escalões 2, 3 e 4 do IRS, para o qual se aconselha a aquisição de uma habitação até 190 000 euros, cumprindo a taxa de esforço de 1/3 do rendimento disponível. No entanto, a oferta de habitações nesse nível de valor representa apenas 42% do total, o que demonstra a insuficiente resposta de soluções habitacionais para as necessidades deste segmento da população.

De modo inverso, este desequilíbrio é igualmente patente nas habitações de valor superior a 330 000 euros, que representam 32% da oferta, sendo que apenas 11% das famílias se inserem num escalão de rendimento com essa capacidade aquisitiva.

Em Lisboa e no Porto, a disparidade entre preços é mais visível. No caso da capital, para uma população média de 49%, existe oferta para apenas 5%, e a média do preço da habitação para venda apresenta valores superiores a 330 000 euros. Já na cidade do Porto, 53% das famílias inserem-se na classe média, e apenas 11% da oferta se adequa ao nível de rendimento dessa classe.

A principal solução para resolver a questão da acessibilidade da habitação está do lado da oferta, uma vez que enquanto não se aumentar o fluxo de imóveis disponíveis para venda ou arrendamento e ajustados aos escalões de rendimento das famílias portuguesas, não será possível ter uma solução sustentável em matéria de habitação acessível.

De acordo com Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, “O mercado imobiliário e as necessidades de habitação não devem ser analisados isoladamente sem ter em consideração outras dimensões económicas e sociais, nomeadamente a evolução demográfica do País. A AML e o Algarve foram as únicas regiões onde se registou um aumento da população, de acordo com o Censos 2021. O desafio reside na concentração urbana nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e no aumento de população residente no Algarve. Esta movimentação das famílias provoca um incremento da procura e uma maior pressão sobre uma oferta de habitação já insuficiente e pouco ajustada à classe média, nestas regiões”.

O responsável acrescenta ainda que, “As medidas macroprudenciais instauradas pelo Banco de Portugal obrigam os bancos a testarem a taxa de esforço das famílias com uma margem de segurança de mais 3% sobre as taxas de juro em vigor, para atribuição de crédito à habitação. Num contexto de taxas de juro negativas, esta era uma medida essencial. No entanto, no atual cenário de subida de taxas de juro, este teste continua a ser obrigatório e aumenta, consequentemente, a dificuldade para as famílias e jovens que pretendam acesso a financiamento”.

Face ao desequilíbrio no acesso à habitação em Portugal, Ricardo Sousa adianta que, “Na região metropolitana de Lisboa, 43% das habitações em venda têm níveis médios de preço superiores a 330 000€, quando apenas 14% das famílias conseguirá responder a esse nível aquisitivo. Na AML, 55% das famílias inserem-se na classe média, ao passo que apenas 33% da oferta se adequa ao nível de rendimento dessa classe. Na Área Metropolitana do Porto, a classe média agrega 61% das famílias, que dispõem apenas de 41% da oferta de imóveis nesse nível de rendimento, novamente, com uma grande parte dos imóveis para venda (28%) a direcionar-se para o público com maior capacidade financeira, mas que representa a menor fatia dos agregados familiares (11%)”.

O responsável defende ainda que, ““Seria fundamental que o Estado desenvolvesse mais políticas de habitação social para a proteção das famílias carenciadas, cujos rendimentos não permitem aceder a soluções habitacionais condignas, face aos atuais valores de mercado. Estas medidas de habitação social vão também contribuir para retirar pressão no segmento de imóveis de valor mais reduzido e em linha com o poder de compra da classe média. Igualmente importante seria a criação de incentivos para estimular o setor privado a colocar no mercado mais oferta de soluções habitacionais que ajudem a minimizar este desequilíbrio de imóveis para a classe média”.

Para concluir, o CEO da Century 21 Portugal afirma que, “A análise da evolução demográfica do País confirma um aumento da concentração da população na AML, uma região que integra mais de 1,5 milhões de agregados familiares, dispersos por 18 concelhos. Para dar resposta às necessidades de habitação e vivência destas famílias, é fundamental criar uma estratégia de mobilidade intermunicipal e intermodal, que integre transportes, serviços e infraestruturas de apoio aos milhares de cidadãos que necessitam de se deslocar entre os concelhos da AML, numa visão metropolitana de integração de estratégias e políticas de habitação e infraestruturas”.