“Portugal está no radar mundial do imobiliário” – Pedro Lancastre, CEO JLL Portugal

Pedro Lancastre, CEO JLL Portugal

O passado mais recente desencadeou muitas mudanças e alterações nos vários segmentos do mercado imobiliário. Em entrevista ao Brainsre News Portugal, Pedro Lancastre, CEO JLL Portugal, explica como o país permanece no radar mundial do setor imobiliário.

O responsável da consultora JLL faz um balanço do setor no país, analisa as alterações nos vários segmentos do mercado originados pela crise pandémica, explica que o interesse dos investidores se mantém em alta e coloca em perspetiva o futuro a médio e longo prazo do mercado imobiliário.

Há 11 anos a liderar a JLL Portugal, que análise faz do mercado imobiliário nos últimos anos?

O arranque da década de 2010 pressionou os níveis de atividade do imobiliário em baixa, ficando muito aquém dos registos de 2007, que tinha sido um dos melhores anos do setor. E quando todos tínhamos a esperança de que a retração poderia durar pouco, fomos confrontados com a chegada da Troika. Previam-se tempos difíceis, mas a verdade é que foi um momento de reformas estruturais que alteraram o panorama imobiliário, de tal forma que este setor acabaria por ser um dos motores da recuperação económica na segunda metade da década.

Entre as reformas implementadas destacou-se a alteração à lei do arrendamento, uma medida que permitiu impulsionar a reabilitação urbana dos centros da cidade, com forte impacto nos mercados de habitação e do comércio de rua. Na sequência deste movimento, Lisboa e Porto foram alvo de um círculo virtuoso de revitalização, acolhendo cada vez mais pessoas, mais empresas e mais marcas, com uma enorme projeção internacional.

Estávamos sob os holofotes de todo o mundo pelo facto de sermos intervencionados pela Troika pela segunda vez em menos de trinta anos, mas daqui surgiu a oportunidade de mostrarmos que estávamos a avançar de forma muito positiva.

Além do retalho, que sempre foi o grande foco do investimento estrangeiro, o imobiliário nacional passou a estar no mapa global, também como destino sólido para instalação de empresas, para viver e para visitar. Assim, em 2015, mais de 80 nacionalidades compravam casa em Lisboa, numa diversificação que se tem mantido. A projeção internacional valeu também ao mercado, nos últimos anos, um investimento médio anual em torno dos 3 mil milhões de euros, ou seja, quase dez vezes mais do que os níveis registados no final da primeira década. Este ano, essa marca deverá ser de novo atingida.

Portugal está no radar mundial do imobiliário de forma definitiva e tem provado, cada vez mais, que é um mercado preparado, não só para enfrentar desafios, como para estar na linha da frente.

De que forma a crise pandémica provocou alterações no setor e nos vários segmentos?

A pandemia obrigou o setor imobiliário a reinventar-se, tal como muitos outros setores da nossa economia. E implicou mudanças sem retorno. A digitalização à boleia da massificação do teletrabalho capacitou o setor de ferramentas que nos permitem agilizar o trabalho, tornando-o mais eficiente e flexível, sem perdemos a componente humana e relacional do contacto com os clientes (visitas virtuais, renders 3D, plantas humanizadas, vídeos e imagens 360º, big data, entre outros).

Outro aspeto que considero relevante é a transformação na área de escritórios. Quando estávamos em plena pandemia, com a obrigatoriedade do teletrabalho, houve algum receio de que a procura por espaços de escritórios pudesse diminuir. Contudo, verifica-se hoje que o modelo de trabalho “ideal” pós-pandemia é híbrido, pelo que não dispensa o espaço físico do escritório. A mudança deu-se, sobretudo, na forma como as empresas e os colaboradores vivem o escritório: se antes era visto como um espaço de conveniência, passou a ser visto como um espaço de experiência. As empresas aperceberam-se que o espaço físico é crucial para a comunicação e a produtividade, assumindo-se também como uma ferramenta para atrair e reter talento.

Apesar do impacto negativo da pandemia, sentido sobretudo nos segmentos do retalho e da hotelaria, o setor imobiliário soube resistir. Segmentos como os escritórios, residencial, industrial e logística e alternativos (multifamily; senior housing; co-living; co-working) registaram os melhores resultados de sempre, apesar da conjuntura.

Com a diversidade de nacionalidades que estão a investir em Portugal, qual o impacto que se sente relativamente aos Golden Visa?

No que toca ao investimento em imobiliário comercial, temos franceses, suíços, espanhóis e ingleses com investimentos relevantes. Em 2021, entraram no mercado novos investidores como os franceses Tikehau Capital, Tishman Speyer e Icade Santé, a americana Jamestown, a britânica Sixth Street ou o espanhol Azora European Hotel & Lodging.

Não se prevê que as alterações aos Golden Visa afastem a procura internacional, uma vez que Portugal é já um destino residencial reconhecido no estrangeiro. Só na JLL, em 2021, vendemos imóveis a 47 nacionalidades diferentes e os estrangeiros foram responsáveis por 40% das nossas vendas.

Sobre os GV em si, a sua representatividade é menor do que se pensa. De outubro de 2012 a setembro de 2022 foram concedidos no total 11.180 Vistos Gold, dos quais 92% foram para aquisição de bens imóveis. No que diz respeito ao número de imóveis familiares vendidos, os GV representaram, nesta última década, cerca de 1%. O top 5 de nacionalidades centra-se em países como a China, o Brasil, a Turquia, a África do Sul e os Estados Unidos.

Dessas nacionalidades quais as que mais se destacam no investimento imobiliário e quais as suas motivações para investir no país?

A alocação de capital internacional no mercado português continua robusta, contabilizando cerca de 83% do volume de negócios efetuados este ano. Embora os investidores nacionais estejam mais dinâmicos, as maiores transações continuam a ser efetuadas por players internacionais.

Apesar do contexto ser desafiante com vários países já a registar um arrefecimento do interesse dos investidores face à incerteza no mercado e algumas transações a serem impactadas pela expectável revisão em alta dos prémios de risco, Portugal continua a ser um destino de investimento atrativo pelos retornos que oferece, qualidade dos ativos e estabilidade política e fiscal.

O desequilíbrio entre oferta e procura na maioria dos setores tem vindo a conferir aos preços uma resiliência assinalável. Contudo, com todos os fundamentais que colocam Portugal no mapa do investimento internacional a manterem-se bastante resilientes, não estaremos impermeáveis ao sentimento global no mercado de investimento e será previsível que o aumento dos custos de contexto e dos retornos exigidos contribua para um efeito de correção na valorização dos ativos.

Depois da JLL ter atingido o melhor ano de sempre no imobiliário residencial, qual o balanço e previsões da consultora para este ano, nos vários segmentos?

Acreditamos que 2022 vai superar o montante transacionado o ano passado no que respeita ao investimento em imobiliário comercial. Existem atualmente muitos portefólios já em processo de venda e outros em fase de negociação. Claro que as condições macroeconómicas e geopolíticas são desafiantes, mas os negócios imobiliários continuam a ser bastante competitivos e Portugal destaca-se no panorama internacional.

Evidenciamos ainda o desempenho do segmento dos escritórios, onde a ocupação em Lisboa em seis meses já supera a atividade de todo o ano passado, atingindo 168.000 m2. No Porto, soma mais de 30.000 m2, em forte crescimento com os semestres idênticos de 2019, 2020 e 2021.

Num contexto de recuperação do turismo, os hotéis estão a destacar-se uma vez que os indicadores de desempenho se aproximam já do período pré-Covid. No caso de Lisboa, a Diária Média atual já supera a de 2019 e no Porto a diferença é residual.

Em industrial & logística, especial nota para o bom desempenho na ocupação (160.000 m2 no semestre) e para uma trajetória de crescimento das rendas, um movimento que se antecipa também para o retalho prime até ao final do ano. O comércio de rua tem registado bons níveis de procura, com novas aberturas em Lisboa e Porto, estimulado pela recuperação do consumo e do turismo.

Na habitação, a nota continua a ser de forte nível de atividade das vendas e níveis robustos de preços, evidenciando-se a crescente dinâmica dos compradores nacionais, ao mesmo tempo que os internacionais continuam a gerar uma procura sólida, liderada pelos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha.

O que perspetiva para um futuro a médio e longo prazo no mercado imobiliário?

O imobiliário tem-se assumido como um dos setores da economia com melhor desempenho, mais resilientes aos períodos de crise (a pandemia é um exemplo) e com um grande contributo para a retoma económica do país. É um mercado com grande impacto no PIB, que atingiu níveis de atividade nunca vistos em alguns segmentos e que só não foi mais além noutros segmentos por questões estruturais, como a falta de oferta ou constrangimentos conjunturais trazidos pela pandemia.

Continuamos a atrair investimento pelo facto de termos um mercado imobiliário em geral bastante maduro, ou seja, percebido como sendo de baixo risco, mas onde os retornos são mais favoráveis face a outras cidades/países europeus.

Embora haja alterações conjunturais significativas como o aumento dos custos de construção e dos combustíveis, o impacto da subida da taxa de inflação e a incerteza e complexidade do conflito Ucrânia/Rússia, esperamos que o mercado imobiliário em Portugal possa continuar a ser um setor resiliente e com níveis de performance bastante positivos.

O elevado volume de negócios em pipeline com conclusão prevista para os próximos trimestres que identificamos na JLL é uma prova de que o interesse do investidor se mantém em alta. Por isso, esperamos que o volume agora transacionado cresça de forma considerável nos próximos trimestres, colocando 2022 entre os melhores anos de investimento do mercado.