“Porque é que o MLS em Portugal não funciona?” – Massimo Forte, Real Estate Influencer

Massimo Forte, Real Estate Influencer

Considero que um mercado de mediação imobiliária evoluído partilha de forma sistematizada e por isso, há vários anos que de forma recorrente venho falando sobre a importância de desenvolver um sistema de MLS.

Não podemos falar em verdadeira evolução da mediação esquecendo as bases deste negócio, ainda por cima quando se advinha o crescimento exponencial de tecnologia que permitirá justamente um acesso cada vez mais direto, automático e transparente à informação de mercado.

Mas antes de falar sobre porque é importante este passo, penso que será importante explicar melhor o conceito do que é um MLS.

MLS é a sigla de Multiple Listing Service ou Multiple Listing System, o qual traduzido para português seria Serviço de Angariação Múltipla.

MLS é uma sigla que tem origem na língua inglesa que define um conceito de operação associado à Mediação Imobiliária, tem origem no mercado norte americano, onde é amplamente utilizado.

Segundo a NAR, National Association of Realtors, o conceito surge em meados do século XIX quando Agentes Imobiliários da altura sentiram a necessidade de se reunir para partilhar informações sobre as propriedades que estavam a tentar vender, juntando informação de vendedores e compradores acompanhados com e sem contrato de mediação imobiliária por diferentes agentes imobiliários que poderão também representar diferentes empresas ou marcas de mediação imobiliária.

O conceito tem como base a melhoria da eficácia do serviço prestado, permitindo que Agentes possam partilhar de forma transparente, segura e principalmente sistemática informação vital para facilitar a operação.

Já na altura concordaram com a importância e vantagens da melhoria do serviço e na necessidade de compensar outros Agentes caso os ajudassem a vender as suas propriedades.

E foi assim, com base na necessidade de partilha e compensação que surge o que hoje conhecemos como MLS e que sempre assentou num princípio fundamental, o princípio da partilha:

  • “Ajuda-me a vender o meu produto, eu ajudo-te a vender o teu.”

Sistemas de MLS são hoje desenvolvidos e utilizados com o apoio de tecnologia altamente desenvolvida permitindo uma automação e disseminação da informação em tempo real com as partes interessadas. É amplamente utilizado nos USA, Canadá, em alguns países europeus e em países mais desenvolvidos da Ásia.

Como se utilizaria um MLS em Portugal?

A ideia seria que um Agente que trabalhe o cliente vendedor, e que por isso detém um Contrato de Mediação pudesse colocar toda a informação num repositório (MLS) para de uma forma regulada, sistematizada e automática poder dar acesso a outros Agentes/Mediadores que pudessem ajudar à realização da operação no menor tempo possível.

Para além da vantagem da rapidez de disseminação de informação num círculo altamente relevante, há inúmeras outras vantagens no uso de um MLS, como por exemplo:

  • A amplitude dos interessados que podem ser contactados de forma instantânea e automática;
  • O Agente quem detém o comprador pode recorrer ao MLS para encontrar o imóvel para o seu cliente sem ter de ligar ao colega a solicitar a partilha;
  • Pode também e de forma automática marcar a visita sem complicações de agenda, bastando apenas verificar a possibilidade visita do imóvel, uma prática muito comum no mercado norte-americano e no Canadá que se popularizou com a introdução de cadeados que dão acesso às chaves do imóvel mediante a introdução de um código para permitir que o Agente do Comprador possa realizar a visita ao imóvel sem a presença do Agente Angariador, e muito menos do proprietário.
  • Outra grande vantagem dos MLS’s tem a ver com a informação que se obtém das transações que vai muito para além das imagens, características e valores de transação pedidos, por exemplo, informações preciosas como o valor efetivo de fecho da transação (venda/arrendamento), o valor das propostas não aceites, o tempo de absorção ou o tempo do processo são dados disponibilizados on time às empresas e agentes que fazem parte do MLS, e que mais tarde são transformados em formato de relatório de mercado fornecido sempre dentro de um tempo razoável, mês, trimestre, quadrimestre, semestre e anual.

Com o estímulo de partilhas de forma ética, transparente, sistematizada e controlada, ganha-se claramente eficácia de transação e nível de serviço, ganha-se melhoria nos tempos de absorção, ou seja, nos tempos de venda e ganha-se inevitavelmente quota de mercado em relação às vendas feitas pelo próprio sem mediação.

Os dados falam por si.

Atualmente o mercado norte-americano de mediação tem uma quota de mercado de transações que ronda os 90%, esta percentagem está estabilizada há décadas e uma das grandes razões porque isto acontece tem a ver com a existência e uso de sistemas de MLS que promovem uma partilha ética, transparente, sistematizada e controlada que permite encurtar distâncias entre necessidades e tempos de absorção.

Mas então, porque é que o MLS em Portugal não funciona?

Para responder a esta pergunta fui à procura de respostas em países onde a mediação tem algumas parecenças com o mercado português, e também em países onde já existem MLS’s mas sem sucesso de resultados: Espanha e Itália, dois países com quem trabalho em consultoria estratégica de negócio e formação há mais de 10 anos e onde procurei alguns factos para suportar a resposta à questão.

Vejamos, em ambos os países encontrei uma similaridade na forma de trabalhar que pode explicar a origem do fracasso de implementação e uso de MLS’s. A maioria  do serviço de mediação é prestado através de contratos em Regime Aberto, o que dá origem a uma série de conflitos, mesmo dentro de uma lógica de sistema de MLS.

Um dos principais conflitos é o registo dos clientes, pois existindo múltiplos contratos para apenas um imóvel, a partilha não só não faz sentido, como cria alguma confusão na identificação de quem detém o cliente.

Além disso, e mais no caso espanhol, a inexistência de legislação para a área de mediação, e por conseguinte, de registo dos Agentes, provoca outra dificuldade no registo do Contrato de Mediação, não se sabendo muitas vezes a que empresa ou marca pertence, mais confusão e mais conflito.

Algumas marcas norte-americanas, nomeadamente as de maior dimensão, acabaram por criar de forma natural o seu MLS interno.

A Tecnocasa, marca italiana líder no seu país e em Espanha e que opera apenas em regime de exclusividade segue este sistema de MLS interno, funciona consideravelmente bem e pode ser até a razão de grande parte do seu sucesso, mas que peca por uma particularidade, a de não partilhar com o resto do mercado…

Estima-se que em Portugal 80% das empresas trabalham em regime aberto e apenas 20% em exclusividade. Estes dados foram fornecidos pela empresa Domínio Binário e remontam ao ano de 2019, mas pela evolução do mercado no que diz respeito a partilha, penso que não devemos estar muito longe.

Se temos mercado, Agentes e marcas fortes, concluo que o motivo pelo qual os MLS’s em Portugal não funcionam só pode ser um: a mentalidade dos profissionais que infelizmente insistem em trabalhar em regime aberto, um regime que na minha opinião é opaco e baseia-se na fraca capacidade de defender níveis de serviço preferindo optar por quantidade, facilitismo e improviso.

Deixo-vos com algumas reflexões que considero pertinentes para elevar o futuro próximo da mediação, onde um MLS é já mais necessário que nunca.

A tecnologia tem avançado sistematicamente e uma das grandes missões e visões desta é a de tornar o mercado imobiliário mais transparente colocando a “nu” toda a informação para disponibilização a players, clientes e mesmo consumidores finais.

Se a prática do regime aberto continuar, a tendência de aumento de partilha estará comprometida e a quota de mercado da mediação poderá por esta razão tender para uma descida.

Pense comigo.

Qual a utilidade de um Agente Imobiliário que não fornece serviço, não se compromete e principalmente não partilha porque trabalha em regime aberto?

Qual a ética de um Agente Imobiliário que pelo facto de trabalhar em aberto, prefere esconder informação para não ser ultrapassado por um colega, ou pelo seu cliente, mesmo sabendo que isso prejudica o seu serviço e o seu setor?

Num mundo onde a transparência, a relação, a velocidade de informação e a celeridade de transação impera, penso que não será muita.