“Os consumidores estão com vontade de regressar aos espaços comerciais” – Mariana Rosa, Head of Leasing Markets Advisory da JLL Portugal

Com vários segmentos do setor imobiliário a sofrer alterações com a pandemia, o Brainsre News Portugal procurou mais uma vez dar a conhecer qual será o futuro do retalho e quais os impactos que teve na sequência da mudança de comportamentos do consumidor. Para tal, contámos com a colaboração de Mariana Rosa, Head of Leasing Markets Advisory da JLL Portugal, que acredita que a vacinação, o regresso aos escritórios e a retoma da economia são três aspetos fundamentais para a recuperação do setor.

A responsável sustenta que a nova tendência passa pelo aumento da procura por clínicas de estética, análises laboratoriais e dentistas, dado que surgiu uma maior preocupação com a saúde e bem-estar, neste último ano e meio.

Desde o início da pandemia que os vários setores do imobiliário sofreram mudanças. O segmento de retalho não foi excepção, o que mudou?

O segmento do retalho foi dos que mais se transformou em plena pandemia e também um dos mais impactados, a par da hotelaria e do turismo. As mudanças foram várias: assistimos ao crescimento das compras online (vimos muitas marcas criarem ou otimizarem os seus canais de venda no digital, sendo que o online vai continuar a ter um lugar muito importante na venda de produtos e serviços no pós-pandemia, uma vez que a população encontrou conforto e rapidez nesta solução); surgiram muitas limitações do número de pessoas no interior dos estabelecimentos e restrições ao nível dos horários de funcionamento dos mesmos (que vieram causar alguma confusão junto dos consumidores e afastá-los dos pontos de venda físicos nos últimos 18 meses); e verificámos também o aumento da procura do comércio de bairro (pela proximidade destes estabelecimentos a zonas que anteriormente funcionavam essencialmente como “cidade-dormitório” e pelo facto de serem espaços com uma menor afluência de pessoas, transmitindo uma sensação de maior segurança num contexto de pandemia).

Aquilo que notamos neste momento de regresso à normalidade é que os consumidores estão com vontade de regressar aos espaços comerciais, numa procura por experiências e momentos de convívio, e com disponibilidade financeira para comprar. Nisto, tanto o comércio de rua, mas principalmente os centros comerciais, têm agora o desafio de se transformarem a curto-prazo, com o objetivo de passarem de locais de conveniência a espaços que também oferecem opções de lazer e uma experiência de compra única para os seus clientes.

Como avalia o mercado de retalho nos dias de hoje?

Sentimos que desde o Verão começou a haver procura da parte das marcas, inclusive internacionais. Porém a tomada de decisão é mais cautelosa e demorada, pois ainda existe alguma incerteza devido à pandemia, pelo facto de o segmento do retalho ter sido dos mais afetados pelo contexto da COVID-19. Acreditamos que a vacinação, o regresso aos escritórios e a retoma da economia são três aspetos fulcrais para a recuperação deste setor.

Os restaurantes e as zonas turísticas foram sem dúvida os mais penalizados pela pandemia, mas ao contrário do que se verificou durante o primeiro confinamento, é notório agora algum movimento na área de restauração, com alguns operadores sem grandes portefólios a encararem este contexto como uma oportunidade, tanto para encontrar boas localizações, como para negociarem valores de renda mais baixos.

Por outro lado, continuamos a ver o segmento dos supermercados com uma expansão bastante dinâmica nos centros da cidade e os setores do bricolage e decoração também bastante ativos, com previsões de crescimento. Já uma nova tendência é o aumento da procura por clínicas de estética, análises laboratoriais e dentistas, uma vez que surgiu uma maior preocupação com a saúde e bem-estar, em resultado de estarmos confinados há vários meses.

Outras das consequências da pandemia foi a enorme evolução do canal online no último ano. As marcas aperceberam-se da importância da satisfação do cliente neste tipo de compra e estão a melhorar o processo de entrega. No entanto, a componente “lazer” e a satisfação da compra imediata são dois fatores fortes que estão a aliciar a ida aos centros comerciais e às lojas de rua, sendo a compra online um complemento que não se sobrepõe à experiência de compra física.

Neste último ano e meio surgiram novas necessidades e dificuldades, quais foram as principais e se de alguma forma afetaram este segmento de mercado?

Sentimos, inevitavelmente, menos vendas e menos procura por espaços comerciais, principalmente no segmento do comércio de rua e em zonas mais turísticas, que foram mais afetadas pela paralisação provocada pela pandemia. Contudo, o encerramento de lojas em pandemia não foi significativo, maioritariamente nas zonas prime dos centros urbanos, onde as marcas negociaram os contratos e rendas com os proprietários (em média, as rendas têm sofrido pressões na ordem dos 5%-10%). Sentimos que os lojistas têm consciência de que os turistas vão voltar, por isso não fecharam as lojas; e por outro lado, os proprietários foram condescendentes na negociação de rendas, pois também sabem que têm bons inquilinos e que a sua substituição seria, nestas circunstâncias, mais difícil.

Esta é uma realidade que se aplica, sobretudo, às marcas internacionais, com maior capacidade para aguardar que o turismo regresse em força e a situação normalize.

Tem-se falado muito sobre o comércio local ganhar uma nova vida na sequência da pandemia e sucessivos confinamentos, parece-lhe que o comércio de rua pode vir a sair favorecido em detrimento das grandes superfícies comerciais?  Pode realmente acontecer e ditar o futuro dos centros comerciais e retail parks?

Os centros comerciais e os retail parks continuarão a existir no pós-pandemia. Aliás, os retail parks tiveram uma grande procura durante a pandemia, com a maior parte das lojas a permaneceram abertas, por se tratar de estabelecimentos ligados às necessidades da casa. Nestes espaços comerciais, o parque de estacionamento é ao ar livre e as lojas têm grandes dimensões, o que acaba por transmitir segurança e conforto aos clientes – mais valias que se mantêm quando regressarmos totalmente à normalidade.

No que respeita aos centros comerciais, em Portugal estão muito consolidados, pois oferecem num só espaço uma diversidade de atividades que satisfazem os consumidores numa só ida, pelo que as pessoas ainda continuarão a preferir fazer as suas compras neste tipo de superfícies. Verifica-se, contudo, uma grande aposta da parte dos promotores em reformular estes projetos, de forma a irem ao encontro das novas tendências e do que é a exigência dos consumidores (mais espaços sociais e de lazer, novos conceitos de restauração, projetos mais sustentáveis, etc.).

Já o comércio de bairro teve uma boa performance durante a pandemia e vai continuar a ter, principalmente em serviços e conveniência. A conclusão é então que os vários tipos de superfícies são complementares entre si, e que o facto do comércio local ter tido margem para crescer durante a pandemia, não afetará a procura dos consumidores por centro comerciais ou retail parks.

Tendo em conta a oferta de centros comerciais no país, qual será o futuro e as tendências do comércio neste segmento?

Como já dissemos anteriormente, o centro comercial passará de um local de conveniência para um local de experiências e lazer. Nisto, há uma grande aposta por parte dos promotores em encontrar novos conceitos para os centros comerciais, apostando principalmente em mais zonas sociais, mais espaços verdes e ajardinados, reformulando as praças de restauração, com aposta em espaços de slowfood, e em atividades muito viradas para a conveniência.

Também os lojistas se têm preocupado em reformular as lojas, tornando-as mais tecnológicas e com um leque de serviços mais diferenciados, de forma a incentivarem a visita às lojas e a criar engagement com a marca.

Os centros comerciais continuarão a prosperar como até há bem pouco tempo?

Os centros comerciais premium retomarão os níveis de atividade registados no pré-pandemia, enquanto os que estão localizados em zonas mais secundárias tendem a aproveitar os espaços desocupados para serviços de last-mile, co-working ou direcionar o centro para atividades ligadas à conveniência e à saúde e bem-estar.