O “Valor de Venda Imediata” não é o “Valor do Bem Hipotecado”

João Garcia Barreto, Head of National Business na Aura REE Portugal

Por questões pessoais, necessitei de uma avaliação a um determinado imóvel para efeitos de garantia hipotecária e, entre outras coisas, constatei que o relatório de avaliação considerava o Valor de Venda Imediata. Antes de começar qualquer dissertação, é importante dizer que a expressão “Valor de Venda Imediata” (“Forced Sale Value”) não existe nas IVSs e no Red Book. No entanto, o Blue Book/TEGoVA descreve que o Valor de Venda Imediata (“Forced Sale Value”) é “um montante que poderia ser obtido para o imóvel onde, por seja qual for o motivo, o vendedor está sob restrições que exigem a alienação do imóvel em condições que não estejam de acordo com a definição de Valor de Mercado”. Não é, de acordo com o Blue Book, uma base de valor, mas é, todavia, um exemplo de Valor de Mercado no pressuposto especial em relação às condições de mercado, isto é, a necessidade de uma avaliação pode surgir quando o vendedor está sob compulsão para vender, está desesperado para vender ou um limite de tempo estrito é imposto de outra forma. Em relação às IVSs/Red Book, importa salientar que se encontra definido o Valor de Liquidação (IVS 104) que é, por definição, uma estimativa do preço que poderia ser realizado quando um activo ou um grupo de activos é vendido gradualmente (piecemeal basis) que poderá ser determinado com base em duas premissas: 1 – uma transacção ordenada e num período adequado de comercialização; 2 – uma transacção forçada e num curto período de comercialização. Dizem ainda as IVSs que uma transacção forçada descreve um valor em que o vendedor se encontra em compulsão para vender o activo e que, como consequência, um período adequado de comercialização não é possível. As IVSs estipulam ainda que uma transacção forçada não é uma base distinta de valor, mas descreve somente a situação em que a troca ocorre.

Em conformidade com as IVSs, os pressupostos têm de ser sempre razoáveis e um Avaliador tem de identificar, antes de aceitar a instrução/o trabalho, a restrição e as razões para tal e esclarecer se a mesma limitação provém de uma característica inerente do activo ou das circunstâncias específicas do cliente ou a combinação das duas situações.

Voltando ao exemplo supramencionado, a entidade avaliadora informou em relatório que na situação de uma venda ou liquidação forçada devem ser reduzidos (o valor de mercado) de um montante situado entre menos 5% e 15%.

Pois bem! Sei que numa situação normal um cliente não questiona a entidade avaliadora, a instituição financeira e o Banco de Portugal sobre a determinação do referido valor e, muito menos, o cálculo ou o racional do mesmo. Antes de concluir, é ainda importante referir que o Valor de Mercado é, por definição, “estimativa do montante mais provável pelo qual, à data da avaliação, um ativo ou um passivo, após um período adequado de comercialização, poderá ser transacionado entre um vendedor e um comprador decididos, em que ambas as partes atuaram de forma esclarecida e prudente, e sem coação.” (IVS 104).

Importa salientar que na avaliação específica o vendedor não estava coagido e não existia qualquer restrição de tempo à data da mesma. Na mesma situação, o referido imóvel teve em comercialização durante um período entre 1 e 2 meses (o dito período adequado de comercialização descrito na definição de valor de mercado), bem como a maioria dos imóveis no mercado dos tempos que correm. Então, mais curto do que o período adequado de comercialização seria um prazo nulo (seria vendido na hora em que ingressou no mercado) e a diferença entre o Valor de Mercado e o dito Valor de Venda Imediata seria de um ou dois meses (e não um ano como considerado na avaliação), o que não representa 5% e muito menos 15% (conforme indicado na avaliação) abaixo do Valor de Mercado. Nestas circunstâncias, o Valor de Venda Imediata é praticamente igual ao Valor de Mercado. Segundo a VPS 4 do Red Book, “um pressuposto é assumido sempre que for razoável para o avaliador aceitar que algo é verdade, sem a necessidade de investigação ou verificação específica” e, na referida avaliação, os pressupostos assumidos pela entidade avaliadora para a determinação do referido valor não demonstram razoabilidade e encontram-se desfasados com a realidade. Mesmo que a avaliação tenha sido solicitada pela instituição financeira para efeitos de concessão de crédito, o cliente da instituição financeira pagou pelo trabalho executado e a entidade avaliadora só teria de mencionar que o Valor de Venda Imediata (óptica Blue Book)/Valor de Liquidação na premissa em que a troca ocorre numa situação de transacção forçada (óptica Red Book) foi calculado no pressuposto especial de que existia uma restrição de tempo e o vendedor ou o comprador se encontravam coagidos à data da avaliação.

A maioria dos avaliadores procede da mesma forma do que foi procedido na avaliação supramencionada e determina o Valor de Venda Imediata por imposição da instituição financeira. O banco solicita o Valor de Venda Imediata ou o Valor de Venda Forçada para ter uma referência no dia em que tiver uma liquidação ou em alguns casos para jogar com isso se não quiser enfrentar o cliente com um LTV mais baixo, mas não substitui o Valor do Bem Hipotecado (“Mortgage Lending Value”) que, de acordo com o Aviso n.º 5/2006 do Banco de Portugal, deveria ser o valor do imóvel para efeitos de garantia hipotecária.  Por valor do bem hipotecado entende-se o valor comercial do imóvel, determinado com base em critérios de prudência e considerando os aspectos sustentáveis de longo prazo do imóvel, as condições normais e do mercado local, a utilização corrente e as utilizações alternativas adequadas do imóvel. O valor do bem hipotecado considerado pela instituição não pode ser superior ao valor de mercado do imóvel. Iluda-se o Banco de Portugal. O Valor de Venda Imediata não traduz, em suma, o Valor do Bem Hipotecado e nem sequer os pressupostos que são, na prática, utilizados na sua determinação servem para o intuito do Aviso n.º 5/2006 do Banco de Portugal. Então, como deveria ser calculado o valor do bem hipotecado? Não é fácil a sua determinação e requer bastante informação a ser disponibilizada pelo mercado que actualmente não é, mas é, todavia, calculado em alguns países da Europa. Fica, para já, o mote para um futuro artigo a publicar.

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