“O típico investidor de golden visa não é um milionário” – Vasco Silva, CEO at Kleya

Vasco Silva, CEO at Kleya 

Nas últimas semanas tem sido muito discutida a continuidade pelo Governo português do programa de Autorização de Residência para o Investimento (ARI), comumente conhecido por golden visa ou vistos gold.

Em entrevista ao Brainsre News Portugal, Vasco Silva, CEO da Kleya, fala-nos sobre o programa que surgiu em 2012 com o objetivo de captar investimento estrangeiro em troca de vistos de permanência no País. O seu ponto de vista enquanto especialista pode ajudar a responder a algumas questões que surgem neste momento de possível mudança no regime.

A Kleya é um balcão único que presta assessoria independente, oferecendo soluções integradas adaptadas às necessidades abrangentes de aposentados, investidores, expatriados, trabalhadores realocados, empresários e estudantes, entre outros, que desejam viver em Portugal.

Muitos dos seus clientes são requerentes de Vistos Gold, o objetivo principal é viver ou investir no país?

O principal objetivo é investir e na nossa carteira de clientes, em particular e em termos numéricos, os golden visa não são muitos, mas têm um significado importante em termos de investimento e vêm sobretudo para investir, não tanto numa lógica para viver. Num curto prazo, uma grande parte está a fazê-lo com o pensamento de que a médio prazo ou se alguma coisa correr mal nos seus países de origem, puderem imediatamente vir para Portugal.

No entanto, existe algo que nunca é referido quando este assunto é falado, é que o típico investidor de golden visa não é um milionário, quem usa este instrumento são pessoas de classe média-alta, de países mais ou menos desenvolvidos, em que por questões de insegurança ou instabilidade, precisam de ter uma alternativa para a sua segurança e para a educação dos seus filhos. E a Europa, particularmente Portugal, contínua a ser um claro destino de eleição. No início a grande maioria não vem para viver, mas a médio prazo é esse o plano, sejam oriundos dos Estados Unidos, do Brasil, do Reino Unido, ou de outros países.

Com o fim de um programa que permite viver, estudar e trabalhar em Portugal, continuarão os estrangeiros a procurar o nosso país?

A maioria dos estrangeiros que vem para Portugal não vem pelos golden visa, vêm porque se reformaram e podem usar o visto por rendimentos passivos (Visto D7), vêm para trabalhar e têm um visto de trabalho, ou são cidadãos da União Europeia que não precisam de nenhum visto, basta registaram-se nas câmaras municipais. A procura está a aumentar por vários fatores e os golden visa servem para quem vive fora da união europeia, como por exemplo os EUA e o Reino Unido, depois do Brexit, são países onde a procura para este tipo de investimento tem aumentado muito. São países enormes e também faz com que os golden visa continuem a aumentar.

Existiu agora alguma especulação, porque o regime terá que ser avaliado e as razões para a sua existência continuam ou não a justificar-se, que claramente na minha opinião se justificam. Obviamente podem existir sempre alterações e deve ser avaliado como qualquer outra política pública, mas a grande questão é sempre garantir a qualidade do investimento. No entanto, essa avaliação, deve ser uma avaliação rigorosa. Esse é que é problema porque as estatísticas que temos são sobre os milhões que são investidos, mas não temos dados sobre onde os montantes são investidos ou qual o perfil dos investidores e penso que essas estatísticas ajudariam muito a medir de forma rigorosa os impactos e como é benéfico manter o regime.

Tem algum feedback de investidores sobre o possível término do programa?

Obviamente que sim, uma das questões é se vale a pena investir e se o programa vai ou não acabar. As notícias não citam corretamente o que o primeiro-ministro disse, e o que foi dito pelo primeiro ministro é que o programa tem que ser avaliado e as razões que justificam a existência do vistos gold podem já não existir. Ou seja, primeiro há uma avaliação, mas também não foi dito claramente que não existem razões para o regime existir.

Os investidores estão preocupados porque querem tomar as suas decisões e um valor muito apreciado por qualquer investidor é a questão da estabilidade, saber a previsibilidade, saber com o que conta. Qualquer fator de risco e incerteza é um obstáculo à concretização do investimento.

Qual pode vir a ser o impacto da extinção dos vistos gold no investimento imobiliário?

No investimento imobiliário, o impato dos vistos gold é muito reduzido porque representam 2% do investimento. Muito do investimento do golden visa não é para comprar casas, mas sim para comprar propriedades comerciais, lojas e hotéis. Aliás, vários projetos hoteleiros em Lisboa, Porto e Algarve são financiados através de um regime de copropriedade por investidores de golden visa. Ou seja, cada investidor investe 350 mil euros num prédio para reabilitar, para construir um hotel e um promotor hoteleiro financia-se dos investidores golden visa.

Outro exemplo são as residências universitárias que também fazem falta em Portugal, e estamos a trabalhar com um promotor do norte que não tem nenhuma residência universitária, mas que o projeto da residência universitária vai ser financiado por investidores dos golden visa. Portanto, o grande impacto que existirá será neste tipo de projetos comerciais, como residências para estudantes e hotéis.

Quais são as alternativas para os investidores perante o possível fim do programa de Autorização de Residência para o Investimento?

Tenho sérias dúvidas que o programa termine, mas os investidores têm várias alternativas como o Venture Capital, têm o imobiliário comercial, a investigação e até mesmo a cultura, para aqueles que não buscam nenhum tipo de retorno, mas por sentirem que fazem bem à sociedade. O maior problema dos golden visa é o facto de não se terem criado mecanismos eficientes para dirigir o capital para onde ele é mais necessário. Uma das alterações do ano passado foi o limite de investimento para Venture Capital, passando de 350 mil euros para 500 mil euros, o que acabou por criar uma barreira para alguns investidores de classe média, que já não conseguiram investir por indisponibilidade financeira. É necessário dar os incentivos certos para que o capital dos investidores golden visa vá para onde é mais preciso, numa lógica de desenvolvimento sustentado no país. E sempre em projetos sustentáveis, porque qualquer projeto passível de ser financiado por vistos gold tem de ter esse fator de responsabilidade e sustentabilidade, também esta seria uma medida positiva para trazer bom capital para Portugal.

Com esta medida, como será afetada a economia portuguesa e outros setores de atividade?

Sempre que colocamos limites à entrada de capital, num país que não o tem, naturalmente pode ser afetado. Sabemos que sem investimento não há crescimento e sobretudo para o setor privado, portanto qualquer barreira que seja colocada não é positiva. Existe ainda um efeito indireto que é pouco analisado, o programa contribuiu para Portugal entrar num mapa onde já estavam outros países, não foi uma invenção nossa, os golden visa já começaram há 30 anos no Canadá. Isto faz com que vários investidores percebam que Portugal é um país que funciona, com boas infraestruturas, profissionais qualificados, logisticamente tem uma posição privilegiada e acabam por trazer os seus negócios, passam a palavra e existe aqui um efeito de imagem e reputação de Portugal que deriva de termos este regime. De facto, isto nunca é falado, mas deve ser avaliado. Este passar a palavra tem ajudado a que mais pessoas venham conhecer o país e acabam por investir e expandir os negócios.

Muitos acreditam que o aparecimento dos vistos gold levou ao aumento do preço das habitações. Acha que foi este um dos motivos que levou à subida de preços, bem como à escassez da oferta?

É outra confusão que se tem gerado, o aumento dos preços do imobiliário com os vistos gold, quando este instrumento em termos de investimento imobiliário representa apenas 2% do mercado. O que se passou nos últimos sete anos no mercado imobiliário português e sobretudo nas grandes cidades, está relacionado com a tal atração que Portugal tem exercido por vários fatores, como o turismo que faz com que a pressão hoteleira suba, para quem vem numa lógica de reforma ou para quem vive de rendimentos passivos, encontram em Portugal um clima agradável para se estabelecerem. Mas está também relacionado com a segurança que o país oferece, o que também traz muitas pessoas para trabalhar remotamente. Num país pequeno como o nosso, um aumento da procura causa um impacto enorme. Não se constroem apartamentos para as pessoas viverem, para alugar apartamentos, para comprarem casas e esse efeito dos golden visa é um efeito residual no aumento dos preços do mercado imobiliário.