“O mercado português tornou-se muito apelativo” – Miguel Campos, Associate Director – Head of NPL & REO at Aura REE Portugal

Miguel Campos, Associate Director – Head of NPL & REO at Aura REE Portugal

Os bancos portugueses mostraram-se capazes de superar situações de crise ao longo da pandemia, no entanto é necessário estarmos atentos aos impactos das moratórias que possam entrar em situações de incumprimento. O mercado de NPL sofreu algumas alterações nos últimos anos, contudo espera-se que em Portugal as vendas de carteiras de crédito malparado mantenham o seu dinamismo.

Em entrevista ao Brainsre News Portugal, Miguel Campos, Associate Director – Head of NPL & REO at Aura REE Portugal, explica um pouco o comportamento e trajetória deste setor nos últimos anos, bem como sem quaisquer pretensões de futurologia, faz previsões positivas para o futuro neste segmento de mercado.

Como considera o mercado de NPL em Portugal antes da pandemia e nos dias de hoje?

O mercado de NPL tem evoluído muito desde 2015. Seja a composição das carteiras e a forma de organizar o processo de venda por parte dos bancos, como para os habituais compradores, com análises cada vez mais detalhadas e que hoje em dia não se limitam a dois ou três nomes. O mercado português tornou-se muito apelativo e nos últimos anos vimos mais de quinze diferentes compradores neste sector específico a investirem no nosso país. Do lado dos advisors, tem havido uma grande aposta na profissionalização e hoje estão mais preparados que nunca para aconselhar os vendedores e compradores a tomar as melhores decisões.

Sentiu-se alguma demora nas decisões de investimento por parte dos maiores players deste mercado?

Sim, claro. Em Março de 2020 suspenderam-se todos os processos de venda de carteiras de crédito malparado e também em alguns negócios imobiliários fora deste âmbito. Alguns ainda retomaram no segundo semestre, outros apenas em 2021, que foi claramente um ano de retoma.

Ainda no âmbito da pandemia, muita gente esperava que existissem quebras nos valores de venda, mas foi algo que fomos monitorizando e não se registaram decréscimos.

Com os maiores bancos portugueses a manterem o esforço para reduzir o rácio de NPL, pode futuramente o mercado ficar mais agitado?

Certamente que os bancos vão continuar a sua trajetória para convergir com a média europeia e ainda há algum trabalho de casa a fazer nesse sentido.

Para 2022 prevemos o lançamento de mais carteiras no mercado, mas sem a agitação de 2016 a 2018 com grandes nomes e portefólios com valores acima de mil milhões. Como já vimos no ano passado, a tendência é para os bancos lançarem carteiras mais granulares.

Além dos NPL, os próprios bancos ainda detêm muitos imóveis nos balanços, os chamados REO (real estate owned) que apesar de não fazerem parte destes rácios, também têm sido paralelamente lançados ao mercado em carteiras.

Com o fim das moratórias, na sequência das medidas de apoio à pandemia, considera que os hotéis foram um dos setores mais afetados?

Sem dúvida. Não é novidade que um hotel tem custos operacionais elevados, nomeadamente com energia e recursos humanos, e os sucessivos lockdowns, empurraram inevitavelmente algumas unidades para o encerramento e lay-off e outras para taxas de ocupação abaixo dos 10%. Isto num ano que tinha começado com taxas de ocupação recorde em Janeiro e Fevereiro. As medidas anunciadas pelo governo podem mitigar alguns danos, mas assim que forem eliminadas veremos o real impacto no sector do turismo e claro, na economia em geral.

Os dados do Banco de Portugal dizem-nos que o endividamento das empresas do sector do alojamento e restauração no segundo semestre de 2020 atingiram os níveis de 2011 o que é certamente preocupante. O futuro, a meu ver, vai obviamente depender da recuperação do turismo como um todo, mas também da forma com que cada empresa encarou estes últimos anos de crescimento do sector, onde se bateram records de 2010 a 2019. Durante a pandemia, acompanhámos vários casos de hotéis que aproveitaram para investir em FF&E e formação e que agora estão preparados para receber um boom de hóspedes nas melhores condições. Mas sabemos que esta prática não é algo que seja transversal a todo o sector e inevitavelmente haverá quem não consiga fazer face às suas responsabilidades.

Prevê um aumento de portefólios de crédito malparado, após dois anos de covid-19 e o surgimento de um conflito bélico?

Sim, mas não nos moldes em que vivíamos em 2016. Por variadíssimas razões, irá sempre existir incumprimento, e nesta altura de excepção que vivemos, é natural que haja uma inflexão no rácio de crédito improdutivo, já que tanto a nível particular como empresarial foram concedidas ajudas extraordinárias e o endividamento voltou a níveis de 2011. Por outro lado, penso que hoje em dia Portugal é um país mais preparado para lidar com créditos improdutivos. Os bancos hoje em dia fazem uma análise mais criteriosa das suas operações, há maior fiscalização e foram aplicadas políticas macroprudenciais pelo Banco de Portugal que outrora eram inexistentes. Do lado do advisory, o compromisso continua a ser focado em auxiliar os demais intervenientes com informação de mercado precisa, promovendo a transparência na transmissão de NPLs ao mesmo tempo que se enfrenta o [ainda] elevado rácio português.