Miguel Campos, Associate Director – Head of NPL & REO at Aura REE Portugal
O mundo tem mudado de forma drástica e a uma velocidade que é difícil acompanhar. Ao dia de hoje, a Covid-19 ainda se apresenta como uma ameaça à saúde de todos, colocando limites às liberdades. Agora, iniciámos o ano de 2022 com um nível de incerteza ainda maior, resultado do conflito Rússia-Ucrânia, causando um novo golpe à evolução da economia que ia lentamente recuperando e que é agora também assombrada pela elevada inflação a nível global. A subida das taxas de juro apresenta-se como o único mecanismo à disposição das autoridades monetárias para mitigar a crescente inflação, e aproximam-se tempos de ainda maior incerteza para os particulares e empresas, mas de oportunidades para os mercados da dívida.
Em 2020, a paragem abruta da economia levou também à suspensão da transação de carteiras de NPL (non-performing loans). Segundo o Banco de Portugal, em Dezembro de 2021, o rácio de NPL fixou-se nos 3,6% – abaixo dos rácios de Espanha, Itália e Grécia com 4%, 4,5% e 16,4%, respetivamente, mas 0,6 pontos acima da média Europeia. Este valor traduz-se em menos 0,4 pontos percentuais do que em Setembro e 1,3 pontos percentuais abaixo de 2020 o que resulta em sensivelmente menos 12 mil milhões de euros em NPLs.
Os primeiros dados históricos referentes a este indicador, remontam a 2016, onde o rácio era de 17,9% (cerca de 50 mil milhões de Euros) resultado da crise macroeconómica iniciada em 2007 e que se estendeu até 2014 em Portugal, onde entretanto se levaram a cabo várias reformas estruturais que colocaram o país numa retoma modesta até à chegada da pandemia. Historicamente, o aumento dos rácios de NPL nos países europeus tem resultado de conjunturas macroeconómicas desfavoráveis, pelo que neste momento estamos a caminhar no desconhecido. Um potencial próximo pico no rácio de NPLs irá surgir pela via da paragem abrupta na economia, das cadeias de distribuição, de inflações galopantes e eventuais subidas das taxas de juro que eventualmente levam famílias e empresas ao incumprimento das suas obrigações.
Para se atingir o atual rácio de NPL, o ano de 2021 desempenhou um papel importante de retoma, onde se verificaram vendas de carteiras de créditos improdutivos por parte dos principais bancos portugueses: Novo Banco, Millennium BCP, Santander, BPI, Montepio e Caixa Geral de Depósitos. Para 2022, espera-se um nível de vendas semelhantes a 2021, com maior incidência no segundo semestre do ano, e com carteiras mais granulares e medium sized, contrariamente ao que se verificou até 2019.
Para o futuro, e de uma maneira frontal: prevê-se um aumento do rácio de NPL pelo que a colocação de carteiras de no mercado será uma prática recorrente e deve encarar-se como a forma mais eficaz de controlar o agravamento destes rácios e mitigar-se a possibilidade de regressarmos ao rácio de 2016. As medidas de apoio público que têm sido implementadas pelo Governo desde o início da pandemia, em especial nos sectores mais afetados – restauração, hotelaria, comércio e cultura – têm ocultado a big picture da economia portuguesa e ao dia de hoje ainda existem várias medidas em vigor, pelo que a realidade ainda vai demorar a revelar-se. Sabe-se que mais cedo ou mais tarde, as ajudas serão gradualmente eliminadas, causando alguns desequilíbrios nas famílias com maiores taxas de esforço e nas empresas com elevados níveis de alavancagem (predominantemente nas PMEs).
Numa sucinta análise ao endividamento é facilmente perceptível que após a retoma da economia em 2014, em termos de variação anual, houve um considerável aumento do endividamento ao consumo e um moderado aumento do endividamento para fins habitacionais, sendo o ritmo mais expressivo a partir do segundo semestre de 2020.
Do lado das empresas privadas, verifica-se um comportamento semelhante, com uma aceleração no endividamento a partir de 2014 e um abrupto crescimento no segundo semestre de 2021, o que se pode atribuir a vários motivos tais como o fim das moratórias ou o endividamento para fazer face a dificuldades de tesouraria resultantes da pandemia.
Com o crescente endividamento, é natural a acumulação de créditos improdutivos que mais tarde serão aglomerados em carteiras para colocar no mercado. Nos próximos anos estes processos irão, em teoria, decorrer de uma forma mais natural com a implementação da directiva europeia sobre a compra e administração de crédito (UE 2021/2167). Esta deve ser seguida de perto por todos os intervenientes: vendedores, compradores, advisors, servicers, etc, assim como a evolução dos processos legislativos para que se possa compreender de que forma é que se irá materializar a nível local, uma vez que será criado um novo quadro regulamentar para facilitar a transmissão de créditos, até ao final de 2023. Uma palavra encontrada de forma repetida na directiva é “transparência” que, creio eu, ser fundamental para a credibilização deste mercado e para as actividades inerentes a ele.