Lisboa vs periferia: onde arrendar?”

Os custos adicionais com deslocações e até mesmo o fator tempo poderão ter um impacte decisivo para a equação no final do mês.

Um artigo de opinião de Ana Serra, Associate na Aura Ree Portugal

Recorrentemente ouvimos à nossa volta desabafos como: “viver no centro da cidade está caro”, “as rendas das casas estão absurdas”, “Lisboa é só para estrangeiros”. Um português de classe média assume de imediato que uma renda de uma casa no centro de Lisboa está acima das suas possibilidades e tenta arranjar soluções alternativas. A primeira hipótese é encontrar uma renda mais acessível na periferia de Lisboa e que esteja relativamente próximo do seu local de trabalho. No final de contas, será que compensa?

Neste artigo analisei o perfil de um trabalhador no centro de Lisboa (Saldanha, Avenidas Novas) que está à procura de casa para arrendar. Nesta análise tive em consideração os seguintes indicadores:

Tipo de imóvel – Considerei para todos os cenários o valor de renda de um apartamento T2 de 90 m2 de área, usado e em bom estado de conservação. Tive como fontes para análise das rendas atualmente praticadas algumas amostras em portais de imobiliário, a plataforma de base de dados “Brainsre” e a plataforma “SIR” do Confidencial Imobiliário. Defini como pressuposto o valor unitário de rendas declaradas de apartamentos T2 usados do SIR;

Fonte: SIR

Raio de distância/localização – Foi efetuada uma análise a oito zonas distintas da área metropolitana de Lisboa, definidos entre os raios de 2km, 10km, 20km, 30km e 40km de distância ao local de trabalho. No concelho de Lisboa foi analisada a zona de Alvalade. Os locais escolhidos na periferia de Lisboa (≥10km) são maioritariamente zonas residenciais onde os habitantes têm maior possibilidade de trabalhar no centro da capital. Da maior para a menor proximidade foram escolhidas as seguintes zonas: Odivelas, Cacém, Oeiras, Montijo, Vila Franca de Xira, Moita e Mafra;

Meio de transporte – Analisei quais seriam as possibilidades de transportes utilizados na deslocação casa-trabalho. Dentro deste grupo considerei o carro como transporte próprio e metro, autocarro, comboio e barco nas opções de transportes públicos;

Gastos em deslocação – Para fazer a distinção entre transporte próprio vs. transportes públicos, considerei todos os custos associados ao meio de transporte utilizado. Em termos de transportes públicos, identifiquei o preço de um passe mensal Navegante, que engloba toda a área metropolitana de Lisboa. Na deslocação de carro analisei outros fatores que incluem o preço do combustível, portagens e parques de estacionamento. Para todos os cenários de deslocação por meio de transporte próprio, foi considerado o roteiro (1) de um carro a gasóleo com consumo médio de 6L/100km e um preço médio de gasóleo de 2,062€/L (2). Foi também utilizado como pressuposto o parque de estacionamento exterior mais em conta junto do local de trabalho, cerca de 3€ por dia;

Tempo – Apesar de não entrar para a equação dos custos, o tempo gasto na deslocação até ao trabalho é um fator essencial na escolha de habitação. Por esse motivo, estimei o tempo diário gasto na deslocação casa-trabalho e trabalho-casa, quer por meio de transportes públicos, quer por deslocação própria (carro).

(1) O roteiro foi calculado através da plataforma “Google Maps”.

(2) Preço médio diário a 28-06-2022. Fonte: DGEG

Nas tabelas abaixo encontram-se os valores mensais das rendas e de todas as outras despesas referentes ao meio de transporte adotado, incluindo tempo de deslocação médio diário do trajeto casa-trabalho e trabalho-casa. A opção de Lisboa nos dois cenários terá como meio de transporte o metro/autocarro, assumindo a compra do passe mensal de 30€:

Cenário 1: Carro

Através da análise ao acumulado de despesas anual, verifica-se que, de acordo com os pressupostos utilizados, a zona do Cacém apresenta o gasto estimado anual mais baixo, cerca de 10.738€, seguido pela Moita e Montijo. Apesar do Cacém ter rendas mais elevadas, o valor despendido em portagens e gasóleo nas outras duas localizações é bastante superior, acima do dobro do custo com gasóleo mensal considerado. As três rendas mais elevadas são Lisboa – Alvalade (1.098€), Oeiras (981€) e Odivelas (873€). Curiosamente, tendo em conta os pressupostos analisados, Lisboa acaba por não ser a localização mais cara para se viver. Oeiras ocupa o primeiro lugar com um valor acumulado ao final do ano de 13.868€, seguido por Mafra com 13.779€ e finalmente Lisboa (neste caso, a freguesia de Alvalade) com 13.536€.

Em termos de tempo de deslocação diária, Lisboa e Odivelas são as zonas mais próximas e de mais rápido acesso ao local de trabalho, com cerca de 10 minutos e 40 minutos por viagem, perfazendo um tempo médio de deslocação de 20 e 80 minutos por dia, respetivamente. Por outro lado, estimou-se um tempo de deslocação médio diário de 140 minutos para as zonas do Montijo, Moita e Mafra, sendo também as zonas mais afastadas do centro de Lisboa (distância superior a 30 e 40km).

Cenário 2: Transportes públicos

Neste cenário verifica-se que a zona da Moita apresenta o gasto estimado anual mais baixo, cerca de 7.824€, seguido pelo Montijo e Vila Franca de Xira (8.040€ e 9.120€, respetivamente). Entre Vila Franca de Xira e o Cacém a diferença da estimativa de valor acumulado mensal é de 9€. A diferença reflete-se no tempo médio de deslocação diário através de transportes públicos, onde se estima 90 minutos para Vila Franca de Xira e 110 minutos para o Cacém. Lisboa (Alvalade) e Oeiras apresentam os valores acumulados mais elevados com uma diferença de 107 € mensais. Por outro lado, Oeiras tem um tempo de deslocação médio diário mais elevado, cerca de 110 minutos, comparado com os 20 minutos de viagem da opção de arrendamento de habitação em Alvalade.

Em termos de tempo de deslocação diária, depois de Lisboa segue-se a zona de Odivelas com cerca de 40 minutos. Por outro lado, estimou-se um tempo de deslocação médio diário de 160 minutos em transportes públicos para a zona da Moita (distância superior a 30km).

O presente artigo tem como objetivo fomentar um olhar mais crítico no processo de tomada de decisão de arrendar uma casa através da análise de alternativas e dos impactes no orçamento familiar, seja monetariamente como temporalmente. Os cenários apresentados tiveram por base os pressupostos anteriormente referidos, sendo meramente indicativos e não incluem outros fatores a ter em conta tais como desgaste das viaturas, pneus, seguros, entre outros.

Existem diversos fatores a considerar que muitas das vezes não lhes são atribuídos a devida relevância. À primeira vista, o que mais se destaca é de facto o valor da renda da habitação, que julgamos ser a despesa que terá mais peso na prestação mensal. No final de contas, os custos adicionais com deslocações e até mesmo o fator tempo poderão ter um impacte decisivo para a equação no final do mês.