Fazer para acontecer

Ando já há algum tempo para escrever um artigo e não sei por onde começar. Diria que é um pouco como Fernando Pessoa escreveu no seu poema, “ter um livro para ler e não o fazer.” Julgo que é precisamente deste modo que vamos vivendo, aplicando sempre o gerúndio. Tanto por fazer e por discutir e nada feito, mas havemos de chegar a algum lado. Pelo menos, é o que esperamos. Sim, estamos sempre à espera que algo aconteça.

Recordo-me agora que no sector imobiliário, mais precisamente, na área das avaliações de imóveis, permanecemos também no gerúndio. Nada muda ou tarda a mudar. Estou certo que não é uma questão de inépcia, é sobretudo uma questão de inércia ou, talvez, de procrastinação. Todavia, acredito que quem muito perdura no silêncio e não quer dialogar não se actualiza e isso pode ser nocivo. A qualidade enfraquece. Dizem pejorativamente que se fazem avaliações como quem enche chouriços, o trabalho da avaliação é mal pago, ingressam todos os anos mais peritos na CMVM só com a licenciatura e sem experiência na área e quem só avalia apartamentos está apto para avaliar um hotel, uma exploração agrícola, uma bomba de gasolina, uma pedreira, etc. Ah! Dizem ainda que o RICS e o TEGoVA são meras associações certificadoras. Porém, é, em boa verdade, preciso fazer para acontecer. Não é só necessário estar lá, é premente agir em concordância.

O problema do “pricing” já é perene e parece que não tem solução. Ah! Já sei. Julgam que a culpa é do supervisor. A culpa não morre solteira, correcto? Sim, mas a culpa não é certamente do supervisor. A culpa é precisamente nossa. Não cabe ao supervisor a aplicação e a determinação do preço. Quanto muito, o supervisor é um facilitador. É uma questão de concertação. Urge fazer crer ao utilizador da avaliação que a mesma é essencial e não deve ser somente feita por obrigatoriedade. Desculpem-me por dizer-vos que, na verdade, não teríamos trabalho, se a avaliação não fosse feita por obrigatoriedade. Temos nós, avaliadores, de demonstrar que hoje, num tempo de incerteza, a avaliação é mais urgente. O avaliador não é mais nem menos do que um médico. Por analogia, não é exagerado dizer que o médico cuida, pode dar qualidade de vida e gerar rendimento aos seus enfermos como o avaliador cuida dos proprietários e futuros proprietários e pode ajudá-los a que o seu pecúlio possa gerar cash-flows. É uma questão de medir a rentabilidade com o risco ou o risco com a rentabilidade, dependendo da perspectiva.

A qualidade e o preço estão claramente interligados. Não diria que, se o preço é inferior, a qualidade é inferior, isso seria um fraco princípio ou, melhor, não seria sequer um princípio. Todavia, o preço reflecte a qualidade do serviço e cabe sabê-lo a quem sabe aplicá-la. Por princípio ético, um avaliador está disposto a fazer o trabalho por determinado preço, sabendo que tem sempre de garantir o fornecimento de um serviço de alta qualidade. É inquestionável.

Ora foquemos agora na qualidade. A questão sobre a lista infindável de peritos avaliadores na CMVM já é também duradoura. Se a culpa é do supervisor? Diria que, na maior parte, sim, já que cabe ao supervisor controlar o acesso. Iludam-se aqueles que pensam que todos os hotéis são avaliados por quem tem conhecimento de causa. Iludam-se os comuns mortais que pensam que a actividade de um avaliador é monitorizada e supervisionada. É, mais ou menos. Talvez mais para menos do que para mais. Discute-se agora em comissões parlamentares sobre as avaliações de certos imóveis relacionados a uma determinada instituição bancária (não interessa mencionar qual, poderia ser qualquer uma) e qualquer uma pessoa fica a perceber a importância de uma avaliação e o quanto pode ou poderia ser escrutinada. O mal não está certamente no facto de a avaliação ser escrutinada em praça pública, o mal está no facto de a avaliação não ser correctamente supervisionada. É precisamente neste campo onde é premente a mudança de paradigma. Eis a importância da associação internacional a que pertenço, RICS – Royal Institution of Chartered Surveyors. Além da suposta supervisão por parte da entidade competente, toda a actividade de um avaliador inscrito na RICS, exercida em Portugal, é monitorizada, o que garante o fornecimento de um serviço de alta qualidade aos utilizadores da avaliação. Isto é bastante para saber a quem um cliente/utilizador deve recorrer quando pretende um serviço de avaliação. Para finalizar, RICS abrange ainda outras áreas de actuação no sector imobiliário, o que nenhuma outra associação do sector faz. Já sabia disso?