Um assunto na ordem do dia é a inflação e a eventual subida das taxas de juro. Temos assistido, desde Junho de 2021, a um forte crescimento da taxa de inflação em Portugal (8% em Maio de 2022), e em linha com a média europeia.
Com toda a instabilidade que se tem vivido desde o início da pandemia, com quebras nas cadeias de abastecimento, as autoridades monetárias têm adiado o aumento dos juros, que usualmente se apresenta como o único mecanismo à disposição para controlar esse efeito. Do outro lado do Oceano Atlântico, a Reserva Federal Americana já iniciou a subida das taxas de juro, com a mais expressiva subida em 22 anos. Na Europa, o BCE confirmou a primeira subida de 0,25 pontos em Julho e possivelmente 0,25 pontos adicionais em Setembro.




A Euribor, que serve de indexante à maioria dos empréstimos no país para comprar casa (>93%), voltou ao campo positivo pela primeira vez desde 2016, tanto a 6 Meses, desde a primeira semana de Junho como a 12 Meses, desde Abril. Partindo para o detalhe, os créditos com taxa variável associados à Euribor a 6 Meses, têm a sua prestação revista semestralmente enquanto que os que estão associados à Euribor a 12 meses, têm a sua prestação revista anualmente, logo no próximo momento da revisão de determinado empréstimo, já se irá sentir um aumento, pese embora que moderado.
Nada como irmos a exemplos concretos para perceber o impacto que este aumento vai ter na carteira dos portugueses. Assumindo a Euribor a 12 Meses, que segundo o Banco de Portugal é a mais utilizada no nosso país, e um spread de 1,2%, na seguinte tabela podemos ver o acréscimo mensal tendo em conta três níveis de capital em dívida. O nível inferior, de €59.242 representa a média de todos os contratos existentes, o nível intermédio de €125.411 representa o capital médio em dívida dos contratos de crédito à habitação dos últimos 3 meses, e é também apresentado um terceiro nível, com o dobro da média dos últimos 3 meses:


Como é possível verificar, neste caso em concreto, o aumento da Euribor até 1,0%, que se apresenta como o cenário mais provável a curto prazo, pode resultar em aumentos na prestação de sensivelmente 23%. Não obstante, cada caso é um caso e cada titular de empréstimos deverá fazer as suas contas usando os seus próprios dados.
Alguns bancos europeus, nomeadamente Suécia e Lituânia, já avançam com algumas previsões dizendo que a Euribor poderá situar-se entre os 1,6% e os 2,0% até final de 2023, e nesse contexto teríamos o seguinte cenário:


Desta forma, o aumento da prestação já atingiria cerca de 40% da prestação atual, o que representaria um gasto adicional considerável para os agregados familiares portugueses. Apesar da taxa de poupança dos particulares ter atingido o seu máximo durante a pandemia (24,9% no segundo trimestre de 2020), encontra-se agora numa trajetória descendente e já alinhada com o nível pré-pandemia. Com a Euribor a 2,0%, prevêem-se dificuldades para algumas famílias acomodarem o aumento da prestação mensal, para os atuais níveis de poupança e rendimento disponível.
Por fim, num cenário que se apresenta mais irrealista, mas que não pode ser descartado, no caso de voltarmos a 2008, onde a Euribor a 12 meses atingiu os 5,49%, o cenário seria o seguinte:


Conforme é ilustrado na tabela, transpondo a realidade de 2008 aos dias de hoje, as prestações mais que duplicariam o que poderia trazer consequências catastróficas para os portugueses e a economia em geral.
Não podemos prever o futuro, apesar do aumento das taxas parecer um dado adquirido, mas podemos e devemo-nos preparar melhor e aprender com as lições do passado. Do lado dos particulares, cabe a cada um fazer o seu “trabalho de casa”, do lado das instituições e autoridades monetárias, (deveria) caber não só o papel de regular e monitorizar, mas também de formar e proteger os clientes bancários e consumidores em geral.
Termino com uma citação do Presidente da Associação Portuguesa de Bancos que tive oportunidade de ouvir numa conferência recentemente e que creio eu, me parece muito pertinente no momento que vivemos, “se no início do século XX a literacia escrita era o principal instrumento de capacitação pessoal, neste início do século XXI, a principal ferramenta diferenciadora é a literacia financeira, acompanhada já por uma capacitação tecnológica e digital”.
Fontes utilizadas para o artigo: INE, Banco de Portugal, Euribor-rates.eu
Pressupostos assumidos: Euribor a 12 Meses (Indexante mais utilizado em Portugal), Spread de 1,20% (a média atual situa-se nos 1,19%), Prazo Remanescente de 30 anos (em 2021, mais de 63% dos empréstimos foram atribuídos com maturidades entre 30 e 40 anos e a maturidade média atual situa-se nos 32,5 anos), as prestações mencionadas não incluem seguros/comissões.