No início da minha atividade profissional, eu trabalhava numa empresa multinacional, com sede em Lisboa.
Quem trabalhasse nas delegações da empresa, frequentemente ia à sede, para reuniões de trabalho. A empresa tinha preocupações de segurança bem vincadas e obrigava os seus trabalhadores a pernoitarem no seu destino, caso a viagem de regresso a casa distasse mais de noventa quilómetros. Não nos esqueçamos que eram os tempos das famosas curvas de Murça e de uma autoestrada ainda incompleta para Lisboa.
E lá íamos nós, de véspera, aproveitando ainda a deslocação para realizar algum trabalho comercial.
Éramos sempre muito bem tratados! No entanto, uma coisa me irritava solenemente nestas deslocações. Alguns colegas meus confidenciavam, muito pressurosos, “esta semana, eu fui ao Norte!”
Desde que passassem Aveiras, já estavam no Norte. Nunca diziam “eu fui ao Porto” ou “eu fui a Coimbra”, ou “eu fui a Bragança”, era sempre “eu fui ao Norte”. Mas o que mais me espanta é que esta lengalenga ainda persiste atualmente! Ainda há pouco, enquanto escrevia, ouvi um comentador desportivo a comentar num estádio de futebol, no Minho, e a dizer: “Hoje choveu no Norte”.
Não sendo eu vingativo, chegou a hora de me vingar. Gritar bem alto que, esta semana, eu fui ao Sul!
As viagens ao “Sul”, entenda-se a Lisboa, que eu faço de forma recorrente, são para mim uma espécie de catarse.
Desde logo, porque, sendo eu portuense de gema, bairrista empedernido, nascido na freguesia da Sé, mas registado no concelho de Matosinhos, adoro Lisboa.
(este parenteses justifica-se porque, na verdade, há só dois hectares da cidade, cada um em seu lado da Segunda Circular, que não gosto de todo).
É uma cidade bonita, cosmopolita, com gente acolhedora e gentil, ao contrário do que se apregoa, e eu via-me a morar numa rua do Bairro de Campo de Ourique. Quando me desloco a Lisboa, Campo de Ourique e o seu Mercado são uma paragem obrigatória, para um qualquer petisco. Gosto de mergulhar naquelas bancas de peixe, sentir os cheiros dos frescos e a genuinidade daquela gente.
Depois, porque me dá tempo para uma introspeção profunda, quase meditação. São pouco mais de sete horas de viagem, ida e volta, o que dá para pôr as contas da vida em dia. Assim, consigo percorrer as várias vertentes de todos os meus afazeres e colocá-los numa ordem natural.
A vida de um perito avaliador de imóveis que exerça a sua atividade por conta própria encerra em si mesma um conjunto de atribuições, em que que nenhuma delas é negligenciável em relação a outra:
-Divulgação da sua atividade: A melhor técnica de divulgação da atividade é o esforço de prestar um serviço de qualidade aos nossos clientes, pois são estes que nos acrescentam credibilidade e divulgam desinteressadamente a nossa marca. Só depois é que vem a escrita em blogues ou a divulgação orgânica em redes sociais ou motores de busca.
-Comerciais: Elaboração dos termos de contratação para os clientes, envolvendo um conjunto de operações que oneram o tempo: verificações de conflitos de interesse, verificação de branqueamento de capitais, declaração exaustiva da finalidade de avaliação e das bases de valor a aplicar, seguimento das propostas, além de todos os outros formalismos obrigatórios da aplicação do Red Book.
-Técnicas: Pôr a mão na massa, ou seja, passar por todas as fases do trabalho técnico, como a preparação da vistoria, a vistoria, a compilação dos dados obtidos na vistoria, cálculos e elaboração dos relatórios de avaliação.
-Financeiras e administrativas: Alimentar a engrenagem, o que implica trabalho contabilístico e controlo de faturação.
-Formação profissional: A formação contínua é obrigatória, não por dever, mas por convicção.
No meio de todas estas atribuições temos de incluir o que é verdadeiramente importante, o usufruir de tempo de qualidade com a família, com o lazer e com o exercício físico.
Só tendo mesmo a vida organizada e momentos para refletir, como numa ida ao Sul, é possível viver desta profissão.