“ESG na Indústria Hoteleira – A chave para um turismo mais sustentável” – Miguel Campos, Associate Director – Head of NPL & REO at Aura REE Portugal e Ana Serra, Associate at Aura Ree Portugal

Ana Serra, Associate at Aura Ree PortugalMiguel Campos, Associate Director – Head of NPL & REO at Aura REE Portugal

O termo ESG divide-se em três critérios: “Environmental”, “Social” e “Governance” e tem ganho destaque no nosso quotidiano, principalmente porque tem um papel fulcral para alcançar um futuro sustentável. Embora a primeira letra – que se refere ao factor ambiental – acabe por ter uma dimensão superior no nosso subconsciente, a sustentabilidade vai muito além das questões ambientais e só se completa com os factores sociais e de governança, como iremos ver.

Este artigo pretende difundir a importância desta sigla e analisar, em específico, o papel do ESG no sector hoteleiro. Focamo-nos em especial neste sector dada a importância do turismo na economia mundial, estimando-se que, no final deste ano, as receitas em turismo e viagens rondem os 8,6 biliões de dólares, próximo dos 9,6 biliões de dólares de 2019, que de acordo com a WTTC, representavam aproximadamente 10,3% do PIB global. Portugal não é excepção e é expectável que, no final deste ano, as receitas em turismo tenham um peso de 16,2% no PIB. Dada a dimensão e importância deste sector, é fulcral ajustar a pegada ambiental da indústria hoteleira às necessidades actuais, sendo que qualquer pequena medida implementada pode ter um grande impacto a longo prazo.

Adotar estratégias ESG num hotel tornou-se uma necessidade ainda mais premente face à conjuntura atual em que vivemos. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a pandemia COVID-19 criaram uma bola de neve que fez disparar a inflação a nível mundial. Os preços dos bens alimentares aumentaram exponencialmente tais como o preço da energia, que, de acordo com o Eurostat, no presente ano está a atingir níveis recorde. Este facto irá ter um impacto muito significativo nos resultados do sector hoteleiro, uma vez que as utilities são um dos custos que mais pesam neste sector.

Afinal quais são os principais objetivos do ESG e quais os impactos no imobiliário, neste caso específico, num ativo do sector hoteleiro?

Cada vez mais a sociedade tem em consideração questões ambientais e sustentáveis quando planeiam viagens. De acordo com um inquérito da plataforma Booking, publicado na revista New York Times, 71% dos viajantes globais em 2022 planearam viajar de uma forma “mais ecológica”, representando um aumento de 10% face ao ano anterior. As pesquisas no Google por hotéis “eco-friendly”, hotéis “verdes” e “socialmente responsáveis” têm aumentado ao longo dos anos. As estratégias ESG são desta forma uma alavanca para atrair mais viajantes que se preocupam com políticas sustentáveis.

A implementação do ESG é um processo continuo que está envolvido no ativo desde a sua concepção/ planeamento do projecto, finalização, uso e até à fase de venda ou procura de um refinanciamento. A utilização de materiais híbridos compostos por minerais e materiais reciclados, painéis solares, telhas fotovoltaicas e a colocação de postos de carregamento elétrico nos edifícios são exemplos de medidas que melhoram a eficiência energética das construções e do uso diário após a entrega ao cliente final, que no caso da hotelaria se torna numa mais-valia para os hóspedes. Actualmente a obtenção de certificados de avaliação BREEAM, LEED ou WELL tornou-se em algo incontornável para novos projectos.

Após a materialização da ideia, o uso de medidas ESG permitem que a gestão e escolha de recursos seja mais eficiente e que exista o menor impacto possível para o ambiente. Por exemplo, com o auxílio de softwares de gestão, é possível controlar o consumo de energia elétrica, água e destinação dos resíduos e reciclagem. Para além disso, é possível gerir e encontrar soluções para antecipar uma possível alteração de uso para o edifício no futuro, minimizando os custos e a utilização de recursos para tais conversões.

A nível económico, estas medidas podem garantir uma maior segurança nos investimentos. O aumento dos empréstimos verdes ligados ao ESG e o crescente impulso no sentido do investimento sustentável indicam que existe uma mudança crescente no capital disponível para investimentos orientados para estes critérios, havendo abertura por parte dos bancos financiadores para atribuir um prémio aos investidores que optem por estas medidas. Também os bancos beneficiam com o facto de terem carteiras fortes de ESG, uma vez que apresentam um custo de risco significativamente mais baixo.

Para cada um dos critérios ESG, verificamos agora alguns exemplos da sua aplicação:

Ambiental – Já há targets definidos com a ajuda de algumas alianças criadas como é o caso da AEA (Energy & Environment Alliance) e da SHA (Sustainable Hospitality Alliance). Estas alianças a nível ambiental são cruciais para a consolidação de melhores praticas e fundamentais para impulsionar a mudança em prol da sustentabilidade. A SHA, em linha com o estabelecido no Acordo de Paris, assume que a indústria hoteleira necessita de reduzir as emissões de carbono em 66% por quarto até 2030 e em 90% até 2050. De acordo com a Science Based Targets, algumas cadeias hoteleiras, tais como Hilton, Iberostar, Meliá, entre outros, já definiram metas até 2030 para reduzirem as emissões de carbono.

Já é possível observar algumas medidas a nível ambiental a serem aplicadas na indústria hoteleira, como é o caso da preocupação no gasto de água, produção de resíduos, desperdício alimentar, energia e reduções de emissão de carbono. Numa visita a um estabelecimento hoteleiro já é frequentemente visível pequenas alterações postas em prática na óptica operacional para mitigar a pegada do sector, tais como a iluminação LED, painéis solares, redutores de caudal, e até mesmo palhinhas reutilizáveis ou de material reciclado. Nos quartos encontramos mensagens de consciencialização ambiental relativamente à lavagem diária de toalhas. Será que numa estadia de um hóspede por períodos mais longos, é necessário lavar toalhas e roupa de cama todos os dias? Talvez não, e esta mudança parte também do hóspede. De acordo com a SHA, um hotel gasta em média 1.500 litros de água por dia, por quarto, o que supera largamente o consumo de água doméstico.

Social – As obrigações sociais são essenciais para um modelo de negócio sustentável. Além de outros indicadores, o critério social foca-se na garantia dos direitos dos trabalhadores, segurança no trabalho e bem-estar profissional e social. Medidas relacionadas com diversidade e inclusão social na indústria hoteleira podem ser analisadas através da percentagem de género e diversidade racial/étnica empregada em funções executivas e na gestão intermédia. A taxa de rotatividade voluntária e involuntária dos empregados em estabelecimentos hoteleiros é também uma forma de avaliar as práticas laborais no sector, que é tradicionalmente conotado com longas horas de serviço e salários baixos. Apesar deste paradigma estar gradualmente a mudar, nunca foi tão imperativo como hoje cuidar de quem cuida dos hóspedes, que no final são a chave para a criação de valor no sector.

Como exemplos de medidas de responsabilidade social, existem vários casos, tais como das cadeias Marriott e Hilton, que têm objectivos relacionados com a paridade de género na constituição das suas equipas. Já a cadeia de hotéis Wyndham, por exemplo, tem como meta atingir 100% na equidade salarial de género até ao ano 2025.

Governança – Este critério engloba todo o sistema de funcionamento de uma empresa, começando pela forma como é gerida, como opera e o conjunto de relações entre a direção, o conselho de administração, acionistas e outros stakeholders. A ética da empresa é fundamental no critério de governança. São também consideradas questões de governança a gestão de riscos, a transparência de toda a informação e divulgação de objetivos ambientais e sociais, declarações financeiras adequadas aos resultados apresentados, diversidade no conselho de administração, entre outros. Empresas sustentáveis devem apresentar modelos de negócios adequados aos objetivos delineados. A elaboração de relatórios com métricas ESG na indústria hoteleira deve ser executada de uma forma contínua e com uma visão de negócio a longo prazo de modo a melhorar as práticas de gestão da empresa em termos de sustentabilidade.

As melhores práticas de governança podem ser aplicadas na composição do quadro de administração, como é o caso de uma empresa contar com diretores independentes, ao separar o CEO do Presidente. Em termos de transparência e partilha da informação do negócio, são exemplos de medidas a divulgação anual do código de ética da empresa, divulgação de atos societários e políticas relacionadas com a prática de governança, e até mesmo a criação de canais de denúncias para colaboradores, fornecedores e clientes.

As medidas apresentadas permitem à indústria hoteleira minimizar os seus impactos negativos, transformando-os em efeitos positivos, contudo, existem limitações e desafios que ainda são uma barreira para as empresas que querem implementar os critérios ESG. Provavelmente o mais impactante será a dispendiosidade do processo, mais concretamente a falta de orçamento e recursos das empresas para aplicar medidas, em especial para as pequenas e médias empresas do sector que muito o caracteriza. Outras das limitações analisadas são a falta de tecnologia alinhada às necessidades desta estratégia e a pressão da liderança em acelerar o processo de alcançar as metas estabelecidas.

Para iniciar o processo de alinhar a estratégia empresarial com os critérios ESG, cada empresa deverá identificar os principais focos de mudança para estabelecer o seu caminho. Posteriormente, deverá definir as etapas do processo, de forma a que os relatórios elaborados apresentem resultados coerentes e adequados às metas pré-definidas. Atualmente no mercado existe uma vasta oferta de consultoras e companhias que ajudam empresas a encontrar as métricas apropriadas ao seu modelo de negócio, por forma a estarem alinhadas com os critérios ESG.

Com o natural crescimento e evolução do turismo a nível mundial, a utilização de ESG no sector hoteleiro deve ser cada vez mais percepcionada pelos hoteleiros e promotores, independentemente da sua dimensão, como algo básico e indissociável das suas actividades. Os recentes acontecimentos a nível mundial que destabilizaram o natural funcionamento das economias, vieram realçar a capacidade proactiva dos stakeholders ao invés da postura reactiva a que se assistia até há pouco tempo. É também reconhecido o aumento da exigência dos consumidores em relação a medidas sustentáveis, o que, aliado aos objetivos estabelecidos nas cimeiras das alterações climáticas, poderão funcionar como uma alavanca para impulsionar novas estratégias de negócio no sector turístico.

Um artigo de Miguel Campos, Associate Director – Head of NPL & REO at Aura REE Portugal e Ana Serra, Associate at Aura Ree Portugal