“É estar em obra que se aprende” – Madalena Botelho, Partner e Arquiteta na Hivecity

Numa análise ao tipo de projetos que tiveram maior enfoque nos últimos dois anos e nas alterações que existiram na procura de escritório e espaço exterior, Madalena Botelho desmistifica o trabalho de uma mulher numa área durante décadas considerada trabalho de homens. A arquitetura portuguesa tem uma longa história no contributo feminino para esta profissão.

A arquiteta que iniciou a sua profissão em 2001, criou em 2015 a Hivecity, uma empresa que atua em três áreas, na optimização de custos operacionais, na gestão de ativos imobiliários e na elaboração de projetos e execução de obras numa lógica Design and Construction.

Numa entrevista ao Brainsre News Portugal, Madalena Botelho explica a importância da presença em obra, porque é em obra que se aprende, refere. Para a arquiteta é muito importante não só ter os conhecimentos de projeto e de desenho, mas é essencial estar presente.

Como é ser-se mulher em arquitetura e estar presencialmente em obra?

Gosto especialmente desta parte da obra, sempre gostei e o que sempre quis fazer e, até mesmo na altura em que tirei o curso, foi especializar-me em reabilitação.  Agarrar no que precisa de ser reabilitado é algo que me dá imenso prazer. Não tenho qualquer medo de estar em obra. Não penso que exista qualquer tipo de estigma e preconceito, sou respeitada em todas as obras que estou e acho que existe um respeito ainda maior do que se for um homem em obra. Tenho feito obras públicas e obras privadas e em qualquer dos casos sou respeitada pelo meu profissionalismo e não por ser mulher.

Desta vivência em obra, o que mudou desde o início da carreira até aos dias de hoje, sentiu mudanças, algum desrespeito por funcionários na obra ou alguma vez se sentiu descriminada por outros colegas?

No início da minha carreira não estava muitas vezes em obra, trabalhei num gabinete grande e estava mais na área dos projetos, depois fui para um gabinete mais pequeno que ainda estava no início e aprendi imenso porque fazia um pouco de tudo. Exatamente o que sinto que acontece na Hivecity, todos os que aqui trabalham fazem um pouco de tudo. Tentamos sempre que quem inicia o projecto, na fase de design, o acompanhe na fase de obra também.

É muito importante não só ter os conhecimentos de projeto, mas é essencial a presença em obra e ver como as coisas são feitas no terreno. É estar em obra que se aprende e se vê o que pensámos a tomar forma.

Noto que quando há mulheres em obra talvez existam mais cuidados e talvez exista um pouco mais de respeito na maneira do trato, da forma como falam, mas é tudo uma questão de haver respeito para ambas as partes, talvez por isso nunca me tenha sentido descriminada.

                                             Madalena Botelho num projeto de reabilitação

Desde o início da pandemia o que estão os clientes a pedir e que tipo de projetos tiveram maior enfoque? Mais habitações unifamiliares, mais prédios?

O nosso grande foco são os clientes empresariais, no entanto a pandemia fez com as pessoas pensem mais em habitação. Temos também realizado alguns projetos para habitação, para clientes particulares e investidores institucionais. Por exemplo, estamos a trabalhar com um fundo de investimento em que temos sempre 5 ou 6 apartamentos ao mesmo tempo em obra.

Mas tem havido um pouco de tudo, penso que as empresas estão a mudar a maneira como pensam os seus escritórios, que passam também a ser um “ponto de encontro” dos seus colaboradores, muitos deles em teletrabalho.

No que diz respeito às habitações unifamiliares que alterações existiram na procura de escritório e espaço exterior?

Os clientes agora querem um espaço onde possam trabalhar e mesmo estando em casa, sentir-se no escritório, penso que isto é fundamental. Algumas pessoas foram viver para o campo, para o meio do nada, porque não têm necessidade de se deslocar ao escritório com regularidade. Daí surge a necessidade de ter em casa um espaço de trabalho, porque as habitações não estão adaptadas para as pessoas trabalharem em casa. É certo que tivemos que nos adaptar, não houve outro remédio, mas as nossas casas, como as temos pensado até agora, não estão preparadas. No entanto, julgo que é importante as pessoas não perderem esse vínculo ao escritório, nem que seja para estarem juntas e pela troca de experiências.

A procura de espaços exteriores cresceu também, porque não havendo esta necessidade tão recorrente dos colaboradores se deslocarem ao local de trabalho, acabaram por procurar melhor qualidade de vida, que se reflete, também, na procura do espaço exterior.

A descentralização que temos assistido com a procura de habitações nas periferias é reflexo dessa busca pelo espaço exterior?

Estamos com preços proibitivos para viver em Lisboa. É, por isso, que é muito complicado um jovem adquirir ou arrendar casa em Lisboa. Penso que a pandemia fez com que as pessoas parassem para pensar que o trabalho não é tudo e pensar mais no bem-estar, que aliado à dificuldade que é viver em Lisboa, faz com que as pessoas procurem casas fora da cidade. Sinto e tenho visto que é mesmo importante para as pessoas esse espaço exterior. Conheço pessoas que se mudaram para zonas rurais e que alteraram completamente o seu estilo de vida.

Quais as previsões para o futuro com todos os novos conceitos projetuais?

É essencial as empresas manterem o seu espaço de trabalho, sendo que não será necessário haver gabinetes para todos, ou ter um open spaces dedicados – que a meu ver nem sempre funciona. Depende claramente das atividades de cada um dentro da organização e da cultura dessas organizações. Deverá, por isso, existir um modelo híbrido, que temos visto ser a tendência nos nossos principais clientes. Este modelo híbrido, tem também por base a redução de espaços e a pressão para baixar custos com rendas. Esta redução de espaços se tiver origem num planeamento detalhado e monitorização da adaptação dos colaboradores a este novo normal, permitirá uma maior flexibilidade da ocupação. As empresas, poderão assim obter poupanças significativas reduzindo bastante os seus espaços de trabalho e número de colaboradores afectos a esse espaço.  Este equilíbrio, que nem sempre é evidente, vai ser o desafio dos próximos tempos.