Correio da Manhã, 7 de novembro.”1,7 milhões passam frio em casa.” – João Fonseca – Perito Avaliador de Imóveis – MRICS, REV, CMVM

João Fonseca – Perito Avaliador de Imóveis – MRICS, REV, CMVM

No mesmo dia vi um cartaz com muita piada. Retratava dois cidadãos que olhavam para os aviões a jato dos líderes mundiais, a aterrar e a levantar em Glasgow, pouco preocupados com o ambiente. Enquanto isso, comentavam que aqueles líderes consumidores de combustíveis fósseis estavam ali para decidir se os comuns cidadãos poderiam andar de carro.

Esta notícia e este cartaz fez consolidar em mim a sensação de que a sustentabilidade e as boas práticas ambientais têm aplicação casuística e pouco racional.

Escrevendo de outra forma, os moradores de Barroso, que vão ver as suas terras escarafunchadas à procura de lítio ou a empregada doméstica do meu vizinho, que tem uma habitação energeticamente ineficiente, vão ter a sua vida infernizada por decisões que beneficiam todos, mas afetam, verdadeiramente, alguns.

Os exemplos da distribuição desigual da mais-valia ambiental multiplicam-se, basta lembrarmo-nos dos preços dos carros elétricos ou dos preços das casas construídas debaixo das certificações internacionais BREEAM, LEED ou WELL. São boas práticas ambientais, acessíveis … novamente a alguns.

É claro que o futuro preocupa e temos que tomar conta dele, mas é imperioso que o futuro sustentável chegue a todos, sem exceção, de forma igual.

A fileira imobiliária não está imune a desafios ambientais e, à boleia desta angústia existencialista, ambiental, vamo-nos focar no que aí vem para o setor.

Neste âmbito, com a ajuda das “EVS 2020/European Valuation Standards”, concretamente da “EVS 6- Avaliação e Eficiência Energética”, vamos resumir sucintamente o que está preparado no âmbito da União Europeia.

A atual legislação comunitária obriga os Estados-Membros a atingir, até 2030, melhorias de 32,5% na eficiência energética e também a atingir um peso da energia obtida de fontes renováveis, no consumo final bruto, de 32%.

Isto equivaleria a uma redução de 40% nas emissões de carbono até 2030 e a uma redução de 60% até 2050.

Posteriormente, foram estabelecidas metas mais ambiciosas e pretende-se atingir pelo menos 55% de redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2030 e uma neutralidade líquida de carbono até 2050. Neutralidade líquida de carbono significa que o balanço entre as emissões de carbono e a sua captura deva ser neutro.

Poderemos ser levados a pensar que esta questão das emissões de carbono passa ao lado do imobiliário, mas a verdade é que os edifícios representam 36% das emissões de carbono da União Europeia.

Com alguma frequência, a União Europeia tem regulamentado o parque imobiliário a nível energético através de diretivas que obrigam, por exemplo:

-A assunção de obrigações de eficiência energética quando um proprietário decide, por sua iniciativa, levar a cabo uma grande renovação de um imóvel;

-À obrigação legal de renovar um edifício para um nível superior de eficiência energética até uma data fixa ou num determinado ponto de inflexão (por exemplo um novo arrendamento ou venda);

-A garantir que todos os novos edifícios tenham um consumo energético quase nulo;

-À renovação, a nível energético, de 3% dos edifícios governamentais a cada ano;

-À obrigatoriedade da existência de um certificado de desempenho energético (CDE), ou, finalmente, à obrigatoriedade de inspeções periódicas regulares aos sistemas de aquecimento e refrigeração.

O grau de exigência, no entanto aumentou com a obrigação da entrega, por parte dos estados-membros, de um Plano Nacional Integrado de Energia e Clima (PNEC) para a sua estratégia climática global e de uma Estratégia de Longo Prazo para a Renovação de Edifícios (ELPRE).

Com a publicação das ELPRE, disponíveis a partir de outubro do corrente ano, passa a existir uma maior exigência na renovação energética para os proprietários que decidam fazer grandes renovações e também à obrigatoriedade de se proceder à renovação dos imóveis, independentemente da vontade do proprietário. A administração central e local também terá de acelerar a renovação do seu parque imobiliário.

Como estamos a ver, tempos de grande exigência financeira vão chegar para os proprietários dos imóveis.

Existe uma tendência, errada, para diabolizar os proprietários dos imóveis como se eles fossem sempre ricos e procuradores do lucro fácil, fundos de investimento sem escrúpulos. Como se os fundos de investimento quisessem ter os seus imóveis vazios e sem rendimento!

Quem trabalha mesmo no imobiliário sabe que não é assim. A maior parte dos proprietários são como a empregada doméstica do meu vizinho, esfalfam-se para pagar a prestação ao banco. Quanto acabar o prazo do empréstimo, vai surgir um ponto de inflexão. E lá vai ela ter de empenhar-se novamente, agora para pôr a casa ambientalmente sustentável.

Pois, é claro, estão previstos incentivos fiscais. Para a minha empregada doméstica?