Ainda há solução para o interior de Portugal?

De acordo com os Censos (2021), Portugal registou um decréscimo populacional de 2,1%, sendo que apenas as regiões de Lisboa e do Algarve contrariaram esta tendência, ao observar aumentos de 1,7% e 3,7%, respetivamente. Na situação oposta estão as regiões da Madeira, com uma queda de 6,2%, o Alentejo (6,9%), e os Açores (13,5%). É bem presente o acentuar dos desequilíbrios na distribuição da população.

31 concelhos. É o número onde metade da população está concentrada, especialmente nos concelhos das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. O interior do país? Esse está cada vez mais vazio. De outra perspetiva, apenas 20% dos portugueses habitam nos 208 municípios menos povoados, sendo que estes ocupam quase 65,8% do território nacional.

Os desequilíbrios intensificam-se, tanto a nível do acesso a serviços, como equipamentos e oportunidades de emprego, face às grandes cidades, onde esses acessos são mais facilitados. Acentuam também as dificuldades no que diz respeito ao acesso a uma habitação por via do mercado.

Ao analisar a taxa de esforço que as famílias portuguesas têm para comprar (ou arrendar) uma habitação, é notória a enorme disparidade. Tanto em Lisboa como no Porto, nas suas respetivas Áreas Metropolitanas e no Algarve, esta taxa encontra-se muito acima da percentagem recomendada pelo Banco de Portugal, que é de 33%. Mas essa taxa de esforço no interior revela-se abaixo da média, dando como exemplo a Guarda (13%).

Quando observamos os preços das habitações em território nacional (dados do final de fevereiro de 2023), é possível verificar que os preços mais elevados para a aquisição de habitação estão na Área Metropolitana de Lisboa (3.473 euros por m2), seguido pelo Algarve (3.088 euros por m2), Região Autónoma da Madeira (2.416 euros por m2) e no Norte (2.040 euros por m2). Já os preços mais baixos, e mais uma vez, sem causar uma grande surpresa, encontram-se em Portalegre (629 euros por m2), Guarda (673 euros por m2), Castelo Branco (751 euros por m2), Bragança (868 euros por m2), Beja (932 euros por m2), Viseu (933 euros por m2), Vila Real (944 euros por m2) e Santarém (1.029 euros por m2).

Existe ainda outro dado de extrema importância: quem vive em situação de indignidade habitacional. Ora, de acordo com os dados recolhidos no quadro do projeto “Habitação como 1º Direito”, em curso no CiTUA-IST, dados esses relativos a março de 2022, vivem pelo menos 80.000 agregados em situação de indignidade habitacional (em Portugal). Este conceito compreende vários tipos de situação, nomeadamente de precariedade, onde constam pessoas em situação de sem abrigo e as vítimas de violência doméstica (por exemplo) de insalubridade e insegurança, sobrelotação e inadequação.

Estes mesmos agregados estão sinalizados nas estratégias locais de habitação, que são desenvolvidas pelos municípios, e atualmente encontram resposta no PRR – Plano de Recuperação e Resiliência. O PRR compromete-se a financiar a 100% a fundo perdido, cerca de 26 mil soluções habitacionais, até ao final de junho de 2026. Mas até na celeridade, submissão, aprovação e contratualização de candidaturas existe disparidade, uma vez que, por exemplo, municípios como o de Lisboa possuem uma equipa de técnicos municipais superior à equipa do IHRU – Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana, outros municípios não contam com essa (ou qualquer) capacidade técnica, para realizar processos de candidatura, alguns complexos, e burocráticos. Isto significa que o balanço dos contratos aprovados (até à data), que se encontram disponíveis no Portal de Transparência, demonstram um acesso desigual no que toca ao financiamento, e que, para surpresa de ninguém, está concentrado maioritariamente nos territórios que apresentam alta densidade, destacando-se a AML – Área Metropolitana de Lisboa, que obteve cerca de 60% da fatia até agora consumida. Já os municípios do interior, conseguiram responder a apenas 2,3% dos agregados que estão identificados nas suas estratégias locais de habitação, enquanto que na AML esse valor triplica.

Como pode o Governo responder a estes desafios? Sabemos que existem diversos incentivos para atrair população portuguesa (e também estrangeiros) a mudarem-se para o interior, mas serão suficientes?