João Fonseca – Perito Avaliador de Imóveis – MRICS, REV, CMVM
Ao folhear entretido uma rede social, encontrei uma publicação de um Colega agente imobiliário, muito enternecedora. Este Colega retratava, feliz, o orgulho que a sua Mãe sentia por ver que um dos irmãos tinha intermediado a compra de um imóvel, pelo outro irmão.
“Já fechei vários negócios e todos eles são importantes e únicos mas este, ah este é daqueles que não têm palavras.
O meu irmão vem de assinar o contrato para comprar um apartamento em Lisboa para investimento…”.
E continuava a exposição, relatando as lágrimas da Mãe por ver os filhos juntos.
Quero vincar que acompanho nas redes sociais o trabalho deste Colega e, apesar de não o conhecer pessoalmente, sei que é um excelente e impoluto profissional.
Fui-me deixando envolver na emoção, achei o momento lindo e recordei orgulhoso a enorme fraternidade das minhas filhas. Empurrado pela situação, já me via a desenvolver um qualquer trabalho para elas.
Resolvi respirar fundo.
Estava a correr o risco de, eventualmente, a emoção me começar a tolher a razão.
Será que poderia transpor esta história para a avaliação imobiliária?
Revisitei então os meus procedimentos de conflitos de interesse.
Antes de enviar qualquer proposta a um cliente, eu tenho o hábito de percorrer uma listagem de comportamentos que podem configurar conflitos de interesse, ou mesmo de branqueamento de capitais. Caso, existam, terei de analisar se poderei continuar com o processo.
A listagem é composta por uma série de questões divididas nas seguintes listas: lista vermelha irrenunciável, lista vermelha renunciável, lista laranja e lista verde. Logo na lista vermelha irrenunciável eu tenho que responder a estas questões:
-O Perito Avaliador tem uma influência controladora sobre uma das partes interessada na avaliação?
– O Perito Avaliador tem um relacionamento familiar próximo com uma das partes interessada na avaliação ou com um membro ou qualquer outra pessoa que tenha uma influência de controlo semelhante sobre uma das partes interessada na avaliação?
-Um familiar próximo do Perito Avaliador tem um interesse financeiro significativo no resultado da avaliação?
As linhas vermelhas irrenunciáveis envolvem um conjunto de situações que suscitam dúvidas justificáveis quanto à imparcialidade do perito, partindo de um princípio fundamental de que ninguém pode ser juiz em causa própria. Em princípio, existindo uma linha vermelha irrenunciável, eu não poderia continuar o trabalho.
Ainda a este propósito, veio à minha cabeça o “Red Book” do RICS.
O livro tem um capitulo integralmente dedicado a questões éticas, PS 2 Ethics, competency, objectivity and disclosures, com um subcapítulo intitulado Independence, objectivity, confidentiality and the identification and management of conflicts of interest.
A independência e a objetividade estão intimamente ligados à identificação e gestão de conflitos de interesse. Recordamos que nenhum membro deve aconselhar ou representar um cliente quando isso envolver um conflito de interesse ou um risco significativo de conflito de interesse, a não ser que todos aqueles que são ou podem ser afetados forneçam o seu consentimento prévio informado.
Conseguirei ser verdadeiramente independente e objetivo se estiver a intermediar uma venda, ou a fazer uma avaliação, se um dos interessados é um familiar meu? A eventual dependência ou parcialidade não será deliberada, mas terá muitas probabilidades de existir.
Regressando ainda à área da mediação imobiliária, recordo o que menciona o artigo 17º, número 2, da lei 15/2013, de 8 de fevereiro:
“2 – Está expressamente vedado à empresa de mediação:
- b) Intervir como parte interessada em qualquer negócio que incida sobre imóvel compreendido no contrato de mediação de que seja parte;”.
Não estará o meu Colega, involuntariamente, a infringir esta norma?
De facto, às vezes tomamos atitudes com a melhor das intenções, mas que vistas e revistas podem não ser aconselháveis à nossa atividade profissional!
A intenção é boa, mas…