A Alegoria da Caverna – João Fonseca – Perito Avaliador de Imóveis – MRICS, REV, CMVM

João Fonseca – Perito Avaliador de Imóveis – MRICS, REV, CMVM

Os leitores podem achar estranha, ou até despropositada, a associação entre a “A Alegoria da Caverna” de Platão e um artigo sobre a avaliação de imóveis. No entanto, esta associação pode ser justificada porque nós, peritos avaliadores de imóveis, por meio de algumas das nossas omissões, parece que vivemos naquela caverna. É uma comparação dura, porventura inconveniente, mas que reflete o estado de alma do autor.

A “Alegoria da Caverna” é um diálogo entre Sócrates e dois filhos de Platão, Glauco e Adimanto, em que é confrontada a visão de um mundo ignorante, suportado pelo senso comum, e de um filósofo em busca da verdade.

No fundo, o que Platão pretende enfatizar é que no confronto destes dois mundos vivemos aprisionados pelos nossos sentidos às correntes da ignorância, e que só o esforço intelectual e filosófico nos pode libertar de tais amarras e contemplar uma realidade inteiramente nova e diferente daquela que estamos habituados.

O que me levou a estabelecer a relação entre a alegoria e a atividade do perito avaliador de imóveis foram dois trabalhos recentes em que estive envolvido. No primeiro enquanto profissional e o no segundo enquanto membro de uma entidade adjudicante.

Num dos trabalhos, que também aflorei no meu artigo anterior, estão presentes o Código das Expropriações (CE) e a interpretação que dele é dada, recorrentemente, pelos colegas Peritos Avaliadores da Lista Oficial do Ministério da Justiça, interesseiramente secundados pelos peritos avaliadores das entidades expropriantes.

O artigo 23º, número 5, da Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, vulgo Código das Expropriações determina:

“5 – Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.”

É inequívoco que o CE abre portas a que sejam utilizadas abordagens distintas da recorrentemente utilizada, principalmente para se conseguir atingir um “valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado”.

Neste momento estão a decorrer processos expropriativos nas cidades de Lisboa e Porto. Estão a ser atribuídas indemnizações escandalosamente abaixo do valor do mercado porque uma percentagem elevada dos técnicos envolvidos permanece acorrentada à caverna. E ninguém liberta as correntes para que “sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”. Estes outros critérios seriam, sem qualquer margem para dúvida, tratar a estimativa de “valor real e corrente” através da aplicação das IVS- Normas Internacionais de Avaliação ou as EVS- Normas Europeias de Avaliação.

Numa outra situação, em que é necessário proceder à avaliação de um conjunto de imóveis com múltiplos proprietários, particulares e sem relação com o sistema financeiro, foram solicitadas quatro propostas a quatro entidades distintas.

Duas das propostas eram completamente omissas quanto ao referencial de avaliação a utilizar e uma outra esclarecia que a avaliação iria decorrer segundo o regulamento e os critérios da CMVM.

Esclareça-se a Lei 153/2015 de 14 de setembro (CMVM) é para aplicar em avaliações realizadas para o sistema financeiro. Para todos os outros casos em que não exista legislação específica em Portugal, deverão ser utilizadas as IVS- Normas Internacionais de Avaliação ou as EVS- Normas Europeias de Avaliação. Só uma proposta estava devidamente fundamentada. Porquê a insistência em apelar constantemente para a Lei 153/2015 de 14 de setembro?

Quando nós vivemos acorrentados a uma parede, só conseguimos ver a parede. Quando nos libertamos das correntes ficamos livres e encontramos uma realidade muito mais ampla e complexa do que aquela que nós percecionávamos.

Na alegoria, o homem que se liberta e sai da caverna é o filósofo. Neste artigo o filósofo é representado por um perito avaliador de imóveis mais esclarecido. É representado pelo perito avaliador de imóveis que não vive acorrentado a uma rotina que o faz trabalhar mecanicamente, sem espírito critico e avesso à mudança.

Qualquer um de nós pode sair da caverna, mas para quê mudar a nossa rotina?  É muito mais cómodo continuar neste ritmo repetitivo, acrítico do nosso trabalho, do que fazer uma mudança radical.